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  • Verónica González

Atividades comunicativas e pré-comunicativas na aula de PLE/PBSL


Neste artigo a Prof. Me. Verónica González apresenta o conceito de atividade para o ensino de línguas estrangeiras e suas categorias e subcategorias, com ênfase na subcategoria de atividade comunicativa “tarefa”. No artigo, são apresentados exemplos de atividades retirados de livros didáticos de PLE e o resultado de uma tarefa realizada por estudantes de PBSL.


Essa conceptualização e categorização tem o intuito de 1) auxiliar professores de línguas que almejam introduzir atividades comunicativas nas suas aulas (PLE/PBSL), 2) promover reflexão a respeito de como e por que se dá preferência ao uso de uma ou outra categoria de atividade e 3) analisar brevemente o potencial específico que cada categoria de atividade detém para gerar competência comunicativa ou linguística.


 

Atividades comunicativas e pré-comunicativas na aula de PLE/PBSL

Verónica González


Introdução

O discernimento entre uma atividade pré-comunicativa e uma comunicativa é um requisito para professores profissionais do ensino de línguas já que cada uma dessas categorias de atividades detém um potencial específico para gerar competência linguística (foco na estrutura da língua) ou competência comunicativa (foco no uso adquirido da língua) (ALMEIDA FILHO, 2012). O reconhecimento de atividades que preparam para a comunicação (pré-comunicativas) e atividades que envolvem de fato a comunicação (comunicativas) requer análise atenta de determinadas características que as diferenciam. Assim sendo, com o objetivo de auxiliar professores de línguas nessa tarefa, delineei este artigo.


O que é atividade? Que tipos de atividades os livros didáticos de LE oferecem? Como identificar uma atividade comunicativa e uma pré-comunicativa? Qual é o potencial específico dessas categorias de atividades para gerar competência linguística ou comunicativa? Quais são as consequências e desafios do uso de atividades comunicativas em sala de aula? Esses questionamentos orientaram a construção deste artigo, cujas respostas argumentadas com teoria da Linguística Aplicada e exemplos de atividades extraídas de livros e materiais didáticos de PLE/PBSL (Português como língua estrangeira/Português do Brasil como segunda língua) se evidenciam à medida que se avança na leitura.



Atividades: comunicativas, pré-comunicativas e de prática da forma


Em primeiro lugar, vou definir como uma (Glossário de Linguística Aplicada <GLOSSA, www.glossario.sala.org.br>)


Unidade de ação no método de ensino e aprendizagem de línguas, realizada com o intuito de praticar ou usar uma língua-alvo em sala, ou outros lugares. No ensino de línguas, essas ações denominadas atividades se destinam a fazer compreender o funcionamento da nova língua ou experienciar o uso efetivo dela visando com isso o desenvolvimento de uma competência comunicativa na língua-alvo.


Os livros didáticos são os principais meios de publicação de atividades para o ensino de línguas estrangeiras. A maioria daqueles produzidos em grande escala geralmente oferecem três tipos de atividades em diferentes graus de frequência:


a) Comunicativas (orientadas pela mensagem – pouco frequentes): para Stern (1992, p. 177) o termo atividades comunicativas designa « [...] atividades motivadas, tópicos e temas que envolvem o estudante em comunicação autêntica.» [1] Nessa classificação, o autor prossegue (op. cit.), o foco é nas atividades, no tópico ou nas experiências que elas proporcionam e não em algum aspecto da língua. Segue um exemplo[2]:


Figura 1- Atividade comunicativa: tarefa de resolução de problema


Fonte: Horizontes: Rumo à Proficiência em Língua Portuguesa (p. 42)



Na atividade acima, promove-se uma discussão para resolver o problema da coleta seletiva de lixo do bairro onde os participantes moram. Os alunos deverão apresentar uma proposta aos moradores para mostrar benefícios e transtornos dessa coleta e também deverão elaborar um folheto com as novas normas da coleta de lixo. Nessa atividade há um problema a ser resolvido (STERN, 1992), implantar a nova maneira de se coletar o lixo. Essa atividade envolve os estudantes no uso real e propositado da língua-alvo em pequenos pares ou em grupos, com foco no problema e na tomada de decisões.


b) Pré-comunicativas (orientadas por formas linguísticas, funções comunicativas e/ou vocabulário – muito frequentes): é uma categoria de atividade preparatória do uso, ainda mais relacionada à forma do que ao significado, embora não seja essencialmente mecânica como um exercício. Trata-se de uma atividade que tem como objetivo principal produzir formas linguísticas aceitáveis e não produzir/comunicar significados (Barbirato, 1999). Veja o exemplo a seguir:


Figura 2- Atividade pré-comunicativa: Produção de gênero textual (lista)


"Você arranjou um novo emprego e está muito motivado(a) a manter uma rotina equilibrada. Escreva uma lista com metas a serem atingidas no seu futuro trabalho.


Anotações: Eu vou chegar cedo ao trabalho sempre"

Fonte: Brasil Intercultural - Ciclo Básico (p.50)


A figura acima representa uma atividade pré-comunicativa já que o foco é o uso do Futuro Imediato, previamente apresentado em insumo e teoria na página 44 da mesma unidade desse livro. Embora na vida real façamos listas de objetivos, não estamos com a atenção voltada para a forma verbal usada na lista, mas propriamente para os objetivos a serem listados.



c) De prática da forma (orientadas pelo código – muito frequentes): o foco das unidades de ação está em aprender formas específicas do sistema da língua. Nessa categoria, encontram-se os exercícios, definidos pelo Glossário de Linguística Aplicada (GLOSSA) como uma


“Categoria de atividade curta conduzida em classe pelo professor como prática de língua nas salas, mas também nas extensões pelos aprendentes sozinhos, com foco na forma da língua e no vocabulário mediante emprego de regras em transformações, preenchimento de lacunas, imitação de modelos e automatização por repetições”.



Figura 3: Atividade de prática da forma: preenchimento de lacunas

Fonte: Português Dinâmico (p. 41)



A figura acima retrata um clássico exercício de preenchimento de lacunas para sistematizar o uso das contrações.



Nas próximas seções, concentrarei a atenção na subcategoria de atividade comunicativa “tarefa” e na categoria de atividade “pré-comunicativa”.



Tarefa


Uma tarefa é uma atividade de uso intenso e propositado da língua que se quer aprender. Para o Glossário de Linguística Aplicada – GLOSSA (www.glossario.sala.org.br), a tarefa é uma atividade longa produzida geralmente aos pares ou em pequenos grupos que parte da colocação de uma situação problemática a ser "resolvida" através da intensa interação entre os participantes na própria língua-alvo.


Para Willis (1996), a tarefa é uma subcategoria de atividade na qual: (a) o significado é o aspecto principal e vem antes da forma, (b) há uma relação com as situações encontradas fora da sala de aula na vida real, (c) o processo de realização tem prioridade, sendo a avaliação do desempenho realizada em termos da qualidade de língua(gem) construída e do resultado alcançado, (d) o aluno deve ser desafiado linguística e intelectualmente promovendo o desenvolvimento da língua(gem) de maneira produtiva, e (e) deve necessariamente ter um objetivo e um resultado.


Segue uma lista de tarefas[3] citadas na literatura de especialistas da área de ensino de línguas estrangeiras:



Cognitivas:


Resolução de um problema:

- Encontrar a solução para um problema: pequenos grupos, pares ou a classe como um todo discutem um problema, ou questão sobre política, sociedade, economia, entre outros, tentando estabelecer um procedimento padrão (ou nem tanto) aplicável àquela situação discutida.


Lacuna de raciocínio:

- Fazer cálculos para se chegar à definição de uma construção ou projeto;

- Ouvir uma instrução e desempenhar uma ordem como, por exemplo, desenhar um mapa ao ouvir instruções gravadas numa fita;

- Criar legendas para fotos ou vídeos;

- Traduzir um texto completo e discutir decisões sobre o texto em tradução na língua-alvo para depois apresentar a tradução à turma;

- Criar vozes em off para um vídeo;

- Transcrever entrevistas obtidas de terceiros;

- Montar um roteiro de viagem;

- Organizar uma campanha de limpeza na escola

- Editar um jornal de classe ou escola.


Operações/transformações:

- Selecionar informações de diversos tipos de insumo para montar uma linha do tempo;

- Selecionar informação de um mapa e organizá-la em um formato específico;

- Escolher a melhor tradução para um texto, frase, título;

- Colocar os parágrafos de um texto na ordem correta;

- Transferir a informação de uma foto para um texto escrito.



Troca de informação:


Lacuna de informação:

- Trocar informações sobre um determinado tópico para relatá-lo numa plenária;

- Localizar lugares num mapa e mostrá-los aos membros da equipe;

- Tentar transmitir verbalmente uma figura/informação/mapa incompleto e adquirir os dados faltantes na interação com o par;

- Assistir um vídeo, tomar notas e comparar as notas com as de um colega;

- Localizar um endereço em um mapa e explicar a alguém como chegar.



Interação social:


Lacuna de opinião:

- Tomar parte numa discussão num grupo e chegar a uma opinião consensual (ou nem tanto) sobre um determinado tópico;

- Tomar decisões para se decidir qual formulação final é a mais adequada numa dada situação;

- Completar uma história.


Compartilhar e contar:

- Contar e compartilhar um assunto ou história com a turma sob o formato de entrevistas, narrativas, interações em pares, pequenos grupos ou entre todos;

- Criar uma história;

- Reconstituir a sequência de uma história ou sequências de histórias;

- Pedir opiniões, manifestar preferências, discutir atitudes e reações pessoais.


Desempenho de papéis:

- Debate ou discussão: há desempenho fixo (como no teatro);

- Encontro de negócios ou de um colega/familiar com quem tinha se perdido contato, entre outras situações. Este é um papel de faz de conta para praticar língua com um tanto de criatividade;

- Agir como você mesmo em uma determinada situação. Por exemplo, adotar um papel real (como os nossos próprios em nossas vidas) na organização de um evento.



Cabe destacar que durante a resolução de uma tarefa, os alunos estão envolvidos na compreensão, manipulação, produção de significado ou interação na língua que aprendem; portanto, a atenção não está voltada ao uso correto de uma estrutura linguística específica (por exemplo, verbos no pretérito) (NUNAN, 1989). Ou seja, quando o professor propõe a realização de alguma das tarefas acima listadas, não está esperando que o aluno use com precisão determinadas estruturas linguísticas que lhe foram ensinadas (ainda que esse também seja um dos objetivos do ensino de línguas estrangeiras), mas que atinja o resultado esperado. Nesse sentido, segundo Richards & Rodgers (1986), é necessário que professor especifique o que será considerado um resultado bem sucedido para completar a tarefa. É importante lembrar, no entanto, que a precisão da forma poderá gradualmente ser mais cobrada no desempenho de tarefas de modo que fluência e precisão não permaneçam separadas.


Por conseguinte, ao levarmos em consideração todas as características supracitadas da tarefa, é possível afirmar que essa subcategoria de atividade detém um potencial específico para gerar competência comunicativa e, dessa maneira, ampliar as oportunidades de aquisição de uma língua estrangeira. Voltarei a abordar esta atividade promissora de uso adquirido de uma língua nas seções 6 e 7.



O que é atividade pré-comunicativa?


Trata-se de um tipo de atividade preparatória do uso, ainda mais relacionada à forma do que ao significado, embora não seja essencialmente mecânica como um exercício. Ela prepara para atividades futuras mais livres, voltadas para o uso da língua, tem como objetivo principal produzir formas linguísticas aceitáveis mais do que produzir/comunicar significados (Barbirato, 1999). Nas atividades pré-comunicativas são dados ao aluno “os trilhos[4]” a serem seguidos para produzir formas linguísticas adequadas. Entende-se que o seguimento desses trilhos deve resultar num nível de automatização que facilite a produção de significados (Barbirato, 1999).


Dessa maneira, vemos que o ponto de partida de uma atividade pré-comunicativa é a produção de formas linguísticas aceitáveis, diferentemente de uma atividade comunicativa que parte da produção de significados para chegar a selecionar as formas linguísticas apropriadas. Quando um estudante resolve atividades pré-comunicativas ainda tem sua atenção presa à seleção das estruturas linguísticas que usará para chegar a comunicar sentidos. Com o uso dessas atividades em sala de aula, o professor está implicitamente dizendo ao aprendiz que antes de produzir significados necessita deter-se e pensar na conjugação precisa, por exemplo, de um tempo verbal. Como consequência, ainda que indiretamente, valoriza-se o estudo da gramática como peça fundamental para a produção de sentido, a qual, de fato, permanece a um segundo plano.


Além disso, o aprendiz perde a oportunidade de se comunicar descobrindo, experimentando, perguntando e cometendo erros/desvios ao fazer uso de uma nova língua em situações mais próximas do mundo real, como as oferecidas nas atividades comunicativas. Segundo Barbirato (1999, p. 103), ao usar atividades pré-comunicativas, o objetivo do professor é preparar o aluno para encontros comunicativos futuros, fornecendo ao estudante elementos linguísticos isolados e as conexões necessárias entre forma e uso. Em outras palavras, oferece-se ao aprendiz fluência no sistema linguístico, sem exigência de uso do sistema para fins de comunicação. Portanto, atividades que promovem a prática de fragmentos de língua (conhecimentos linguísticos) são pouco promissoras de produção de competência comunicativa.

Segue uma lista de algumas atividades pré-comunicativas observadas em livros didáticos produzidos em grande escala para o ensino de línguas estrangeiras. Cabe destacar que nos comandos dessas atividades são dadas as estruturas linguísticas alvo, funções comunicativas e/ou vocabulário (“os trilhos” – colocados entre parênteses na lista abaixo) a serem empregados pelos estudantes durante a execução:



1) Desempenho de papéis fixo: escrita e dramatização de diálogos envolvendo a prática de vocabulário, funções comunicativas e estruturas linguísticas predominantemente usadas em diversas situações de comunicação.


a. Paciente e secretária: marcação de uma consulta no telefone (cumprimentos no telefone, preposições, dias da semana, horas, soletrar o nome).


b. Vendedor e comprador: compras em uma loja/mercado/feira (preços, números, formas de pagamento, reclamação, cumprimentos, vocabulário sobre pratos/alimentos, futuro do pretérito).


c. O colega A descreve o colega B: descrição da aparência física, personalidade, roupas (lista de vocabulário sobre roupa masculina e feminina, partes do corpo, cores, verbos reflexivos).


d. Secretária e estudante: fazer uma matrícula (preposições, soletrar o nome, dias da semana, preços, horas, presente do indicativo, preencher uma ficha).


e. Vidente e paciente: adivinhar o futuro de um colega (futuro do presente).


f. Atendente/comissário/aeromoça e passageiro: fazer o check-in, fazer um pedido ou reclamação (documentos de viagem, números, preenchimento de documentos, soletrar o nome).


g. Amigo A e amigo B: o amigo A dá conselhos ao amigo B segundo os problemas que B contar (Modo Subjuntivo, expressões idiomáticas).


h. Aniversariante e convidados: cantar o parabéns, parabenizar pelos XX anos de vida, agradecer (vocabulário de festas).


i. Convidado e anfitrião: formular um convite (aceitar ou não convites, vocabulário sobre festas).


j. Motorista A e Motorista B: discutir no trânsito (pedir desculpas, usar gírias, concordar e não concordar).



2) Interpretação: prática de pergunta-resposta ou palavras isoladas.


a. Um insumo é apresentado e posteriormente o professor faz perguntas ao estudante para testar a compreensão.


b. Prática de compreensão auditiva: anotar o vocabulário sobre profissões mencionado em uma música.


c. Ouvir uma música para preencher as lacunas com as palavras retiradas (verbos no pretérito, gírias).



3) Conversação:


a. Contar sobre si próprio quando criança (falar sobre a infância, falar sobre o passado, pretérito perfeito x pretérito imperfeito).


b. Comparar as diferenças entre a vida durante sua infância e a vida de hoje (pretérito perfeito x pretérito imperfeito, falar sobre o passado, estrutura comparativa e superlativa, grau dos adjetivos).


c. Contar como era a vida antes e depois de determinadas invenções tecnológicas (estrutura comparativa, pretérito perfeito x imperfeito, vocabulário de eletrônicos).


d. Entrevistar um colega sobre sua rotina (dias da semana, preposições, horários, meses do ano, verbos reflexivos, advérbios).


e. Responder a perguntas isoladas, como:

- O que você faria se ganhasse a loteria? (modo subjuntivo)

- O que você diria se um amigo seu fosse casar? (modo subjuntivo)

- O que você fez nas férias do verão passado? (pretérito perfeito)

- O que você levaria para uma viagem à praia? E à neve? (usar o futuro imediato, vocabulário sobre roupas e acessórios).


f. Observar imagens e dizer o que as pessoas estão fazendo (presente contínuo)


g. Comparar países e cidades (fazer comparações, estrutura comparativa, superlativa e grau dos adjetivos).


h. Descrever uma profissão de interesse enquanto os colegas adivinham qual é e dão conselhos do que deve ser feito para alcançá-la (recomendar, aconselhar, futuro do pretérito, vocabulário sobre profissões, mercado de trabalho).



4) Produção de gêneros textuais:


a. Listar planos futuros, objetivos, predições para o futuro da humanidade (falar sobre o futuro, futuro do presente e futuro imediato, dar recomendações).


b. Escrever um e-mail/carta para um amigo contando o que você fez nas férias do verão passado (formular pequenas narrações, pretérito perfeito, verbos regulares e irregulares).


c. Fazer redação assumindo o papel de jornalista, ator, crítico de cinema, antropólogo, cineasta, professor, pai, mãe, policial, editor de uma revista, designer, prefeito, engenheiro, entre outros. (praticar a escrita de textos)


d. Escrever mensagens informais para um amigo, sobre uma situação fictícia, no mural de uma rede social X (gírias e linguagem informal).


e. Montar a árvore genealógica da sua família e escrever um texto descritivo da árvore (usar pronomes possessivos, vocabulário da família, idade, profissões).


f. Listar objetos que usualmente são levados em uma viagem de férias segundo as condições climáticas do local a ser visitado (vocabulário sobre estações e meses do ano, vocabulário do clima).


g. Listar itens para comprar no mercado (unidades de medida e vocabulário de alimentos).



A lista acima mostra que as atividades pré-comunicativas promovem majoritariamente o uso de certas estruturas, funções comunicativas e/ou léxico para sua realização. Essas unidades de ação preparam “para” a comunicação (vide Widdowson, 2005) e embora pareçam retratar oportunidades de produção de significado genuínas, elas seguem padrões tradicionais, por exemplo, o de pergunta-resposta e/ou produção escrita/oral. Para Barbirato (1999, p. 121), o padrão pergunta-resposta responde à tipologia de atividades pré-comunicativas já que, quando o professor pergunta e os alunos respondem, é o professor que gerencia a atividade “lançando as perguntas às quais os alunos deveriam responder”.


Segundo a mesma autora, essas atividades preparam para a comunicação por serem ainda muito controladas e presas à forma e explica que o professor dá o “trilho” a ser seguido pelos alunos, de onde eles não podem sair, pois para obter o resultado esperado, os estudantes precisam usar determinadas formas linguísticas. Portanto, o objetivo de uma atividade com essas características é exercitar certos pontos gramaticais.


Não estou aqui querendo dizer que atividades pré-comunicativas sejam irrelevantes para ensinar línguas; para Barbirato (op. cit) “elas podem até ter funções na sala de aula, como por exemplo, a de preparar os alunos para tarefas mais próximas do que se entende por comunicativo”. Não obstante, elas não têm potencial específico para gerar competência comunicativa, são fontes geradoras de competência linguística.


Assim sendo, devemos estar atentos ao tipo de atividades configuradas nos livros didáticos que adotamos para nossas aulas. Se nesses materiais há predomínio de atividades pré-comunicativas e nosso objetivo é ensinarmos os aprendentes a se comunicarem em uma LE (objetivo quase unânime dos professores de línguas), teremos de fazer muitas adaptações no material ou precisaremos ser conscientes de que vamos promover preparo para possíveis oportunidades de comunicação futura deixando de lado ou sob a responsabilidade dos estudantes a aprendizagem do uso da língua.


Pensando nessa problemática, delineei o guia da próxima seção com o intuito de auxiliar professores de línguas no discernimento entre uma tarefa e uma atividade pré-comunicativa.




Alguns questionamentos para identificar categorias de atividades


Em primeiro lugar, proponho observar no Quadro 1 um resumo das características divergentes dessas atividades:


Quadro 1 – Atividades Comunicativas e Atividades Pré-comunicativas

Fonte: elaborado pela autora a partir de Almeida Filho & Barbirato (2000), Barbirato (1999), Breen (1990), Dubin & Olshtain (1986), Prabhu (1987), Stern (1992).



Em segundo lugar, sugiro acompanhar os questionamentos do Quadro 2 junto da atividade que se deseja classificar. As respostas às perguntas em itálico ajudarão a melhor definir o tipo de atividade já que em alguns dos questionamentos é possível identificar a característica indagada tanto nas tarefas quanto nas atividades pré-comunicativas:


Quadro 2 – Guia para reconhecimento de atividades comunicativas e pré-comunicativas

Fonte: autoria própria


No Apêndice 1, disponibilizei uma atividade para aplicação desse guia.



Consequências do uso de tarefas na aula de LE


Quando o professor de LE começa a usar nas suas aulas atividades predominantemente comunicativas, precisa estar atento às consequências dessa prática: a reconfiguração das experiências e conceitos de ensino e aprendizado de uma LE e a redefinição dos papéis e atitudes de alunos e professores em sala de aula. A aula de LE deixa de ter o código linguístico como ponto de partida para apresentar um tema relevante das áreas do conhecimento (história, geografia, literatura, etre outras área do conhecimento) ou do mundo contemporâneo, a partir do qual deverá se resolver um problema, trocar uma informação, debater, entre outros, por meio da interação.


Introduzem-se “trabalhos em pares simultâneos ou pequenos grupos voltados para a realização de atividades comunicativas visando centrar, desse modo, o ensino mais no próprio aluno” (ALMEIDA FILHO & BARBIRATO, 2000, p. 23). Dessa maneira, os estudantes precisam se tornar mais autônomos, protagonistas do aprendizado, comunicadores, negociadores de significado, passam a iniciar turnos. Por outro lado, os professores deixam de ser dirigentes, controladores e detentores dos turnos para tornarem-se orientadores da ação, conselheiros facilitadores[5] da aprendizagem, monitoradores do desempenho, co-comunicadores.


Além disso, a resolução de tarefas na aula de LE compreende mais do que prática isolada de habilidades linguísticas. A comunicação não é fragmentada em produção escrita, oral e compreensão auditiva ou de texto, dado que essas atividades geralmente abrangem “recortes comunicativos” (ALMEIDA FILHO, 2012, p. 49). Por exemplo, em um debate é necessário compreender língua oral e produzir fala, para resumir um texto é necessário ler, compreender e escrever.


Assim sendo, um professor que começa a implementar tarefas nas suas aulas de LE precisa tomar decisões sobre: 1. o tipo de tarefas (não todas funcionam da mesma maneira em diferentes grupos), 2. a sequência na qual elas devem ser introduzidas , 3. o tempo de resolução (em quanto tempo os alunos devem resolver a atividade?), 4. o resultado esperado (espera-se o mesmo resultado de todos os alunos?) e 5. as estratégias de aprendizagem que serão recomendadas para cada atividade. Nas palavras de Breen (1990, p. 24), é necessário definir “quem faz o quê, com quem, sobre o quê, com quais recursos/meios/apoios, quando, por quanto tempo, como e com que objetivo pedagógico[6]”.


Segundo Almeida Filho & Barbirato (2000, p. 42) é fundamental que os professores “estejam bem preparados para o uso de tarefas para que possam estar atentos aos possíveis riscos e para as maneiras de contorná-los”. Ainda com os desafios (precisão/correção/adequação sociolinguística e cultural) que os especialistas da área reconhecem para um planejamento de cursos de LE e materiais didáticos baseados exclusivamente em tarefas, todos afirmam que elas contêm um alto potencial para o desenvolvimento de competência comunicativa.



Tarefa mista: lacuna de raciocínio e operação/transformação [7]


Vejamos, no Apêndice 2, uma tarefa extraída do material didático temático da minha autoria, “EuBrasília (Iniciantes I)” (GONZALEZ, 2016). Essa atividade se encontra na Unidade 3, “Um pouco de história”. Trata-se de uma tarefa mista do tipo “Lacuna de raciocínio” e “Operação/transformação”, na qual o insumo (texto em diferentes formatos) é dado para posteriormente os aprendentes resolverem a sequência de atividades propostas usando propositalmente a língua alvo.


Primeiro, pede-se aos estudantes que localizem determinadas informações e façam alguns cálculos (tarefa curta) e, por último, selecionem informação relevante para começar a montar uma linha do tempo, a qual será continuada no decorrer da unidade (tarefa longa). Todas essas ações devem ser executadas em pares, ou pequenos grupos, interagindo na língua alvo e a avaliação de desempenho deve ser feita em termos da qualidade da língua(gem) construída e do resultado alcançado. Há um breve exemplo deste último item no Apêndice 3.



Considerações finais


Ao longo deste texto fiz ênfase em como as atividades comunicativas ampliam os horizontes do ensino e aprendizado de uma língua estrangeira. Além de permitirem reconfigurar as experiências da sala de aula e redefinir papéis de alunos e professores, a introdução desse tipo de atividades exige reformulação do planejamento dos cursos de línguas, produção de novos materiais didáticos e maior oferta de cursos de formação continuada envolvendo tópicos relacionados à “abordagem comunicativa”.


Também enfatizei o potencial limitado das atividades pré-comunicativas para gerar competência comunicativa. Portanto, como professores profissionais do ensino de línguas estrangeiras, devemos trabalhar em direção do uso consciente de uma ou outra categoria de atividade em função do objetivo principal, ensinarmos os aprendentes a se comunicarem em uma nova língua.


Cabe salientar também que vários autores da Linguística Aplicada citam limitações do uso exclusivo de tarefas na aula de LE e afirmam que, embora elas sejam necessárias e tenham grande potencial para o desenvolvimento de competência comunicativa, não são um componente suficiente para o planejamento de um curso de LE.


Para finalizar, quero esclarecer que este artigo foi produzido com o objetivo de auxiliar professores que almejam introduzir atividades comunicativas nas suas aulas de língua estrangeira. Assim sendo, não pretendi apresentar uma “receita pronta” para a solução de problemas decorrentes do uso de uma ou outra categoria de atividade, mas um breve guia para reconhecer categorias de atividades e despertar maior consciência do potencial para desenvolver competência comunicativa ou linguística das unidades de ação que os professores selecionam e executam para configurar as experiências de ensino e aprendizado das línguas que ensinam.



Referências


ALMEIDA FILHO, J.C.P. Quatro estações no ensino de línguas, Pontes, 2012.


ALMEIDA, A.; BARBOSA, C. Horizontes: Rumo à Proficiência em Língua Portuguesa. 1ª Ed. Buenos Aires: Librear, 2010.


ALMEIDA FILHO, J.C.P & BARBIRATO, RITA C. “Ambientes Comunicativos para Aprender Língua Estrangeira”. In Trabalhos de Linguística Aplicada, Campinas: Editora da Unicamp, (vol. 36): 23-42, Jul. /Dez. 2000.


BARBIRATO, R. C. de. A tarefa como ambiente para aprender. Dissertação de Mestrado. Universidade de Campinas, São Paulo, 1999.


BARBOSA, C.; NUNES DE CATRO, G. Brasil intercultura: Língua e cultura brasileira para estrangeiros (Ciclo Básico 1 e 2). 1ª Ed. Buenos Aires: Casa do Brasil, 2013.


BREEN, M. Paradigmas actuales en el diseño de programas de lenguas. In: Comunicación, lenguaje, y educación. Volume 7-8, Madrid, 1990, p. 7-32. Disponível em: https://dialnet.unirioja.es/ejemplar/12154. Acesso em 05/01/2016.


BROWN, D. H. Teaching by principles: an interactive approach to language pedagogy. NY: New York: Longman, 2a Ed., 2007.


DUBIN, F. & OLSHTAIN, E. Course design: developing programs and materials for language learning. Cambridge University Press, Cambridge [Cambridgeshire]; New York, 1986.


GONZALEZ, V. A. “Análise de abordagem de material didático para o ensino de línguas (PLE/PL2)”. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós Graduação em Linguística Aplicada (PGLA), Universidade de Brasília, Fevereiro de 2015, Brasília – DF.


GONZÁLEZ, V. A. Eu ♥ Brasília (Nível Básico I), Língua e cultura do Brasil para falantes de outras línguas. Disponível em: http://submarinobrasilia.com.br/pt/loja/ . Brasília, Brasil: Submarino Edições, 2016.


GLOSSÁRIO DE LINGUÍSTICA APLICADA (Projeto GLOSSA). Glossário digital de termos da Área de Aquisição e Ensino de Línguas. Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada da UnB, Brasília/DF. Acesso pela Página do PGLA www.pgla.unb.br ou Portal SALA www.sala.org.br ou www.glossario.sala.org.br


NUNAN, D. Designing Tasks for the Communicative Classroom. Cambridge: CUP, 1989.


PRABHU, N.S. Second language pedagogy. Oxford: Oxford University Press, 1987.


RICHARDS, J. C. & RODGERS, T. Method: Approach, Design, and Procedure. In: TESOL QUARTERLY, VoL 16 (2), 1982. Disponível em:

https://www.academia.edu/5666615/Approaches_and_Methods_in_Language_Teaching_-_Jack_C._Richards_and_Theodore_S._Rodgers. Acesso em 11/02/2012.


STERN, H. The communicative syllabus. In Issues and Options in Language Teaching. Oxford: Oxford University Press, 1992.


WIDDOWSON, H. G. O ensino de línguas para a comunicação. Tradução: José Carlos P. de Almeida Filho. Campinas, Pontes, 2005.


WlLLIS, J. A. Framework for Task-Based Leaming. Longman Handbooks for Language Teacher, Longman, 1996.



Apêndice


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[1] No original: motivated activities, topics, and themes which involve the learner in authentic communication. (Esta e as demais traduções deste artigo são minhas)


[2] Os exemplos desta seção foram extraídos de González (2015), disponível em: http://pgla.unb.br/?p=5275


[3] Os exemplos de tarefas da lista foram classificados segundo as categorias e subcategorias da tipologia de tarefas de Barbirato (1999, p. 72-76). Disponível em: http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=vtls000188984



[4] Trilho (Barbirato, 1999) refere-se a estruturas, frases e itens lexicais pré-definidos apresentados aos estudantes para serem usados durante a realização da atividade.



[5] Brown (2007, p.8) julga que ensinar é guiar, facilitar (no sentido de auxiliar) a aprendizagem, “possibilitar e criar as condições para que o estudante aprenda”.


[6] No original: quién hace qué, con quién, sobre qué, con qué recursos/medios/apoyos, cuándo, por cuánto tiempo, cómo y con qué objetivo pedagógico.


[7] Para mais informações, vide taxonomia de Barbirato (1999).

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