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Literatura na aula de línguas estrangeiras

Neste artigo, Silvia Graciela Fiorenza, professora de ensino fundamental com especialização em Investigação Educativa, bibliotecária escolar e atual estudante do curso de formação de professores de português na ENS Lenguas Vivas "Sofía Broquen de Spangenberg" compartilha reflexões sobre o uso da Literatura nas aulas de língua estrangeira. Este trabalho foi socializado na VIII Jornada de Educação e Tradução da ENSLV "S.B.S". e hoje faz parte da edição da revista LuSofia.

 

Literatura na aula de línguas estrangeiras

Por Silvia Graciela Fiorenza

Gostaria de compartilhar com vocês algumas reflexões sobre o uso da literatura na aula de línguas estrangeiras.


Os textos literários nos oferecem a possibilidade de descobrir, analisar e utilizar certas estruturas gramaticais, certos grupos semânticos, certo tempo verbal ou temática que nesse momento seja o objeto de aprendizagem proposto pelo professor. Mas, e o que o texto quer nos comunicar? E a mensagem que o autor quis transmitir e entendeu que essa era a melhor opção? E o prazer de ler? É esse contato com a literatura o que incentiva a aproximação à mesma? Ou estamos desse jeito gerando o efeito contrário? Que pensamos quando estamos com um texto para usar na sala de aula? Pensamos o mesmo quando esse livro foi tomado por prazer pessoal, pela própria eleição?


Minha ideia não é responder estas perguntas, é no melhor dos casos pensar nelas quando planteamos objetivos de aprendizagem para nosso grupo de alunos, o que eu estou propondo com esta palestra é reflexionar sobre a nossa prática profissional pedagógica.


Falamos de literatura então falamos de autor e o seu papel para com esse texto. Nesse momento estamos frente a duas posições bem diferentes: a de Sartre que valoriza o papel do escritor como um ser comprometido com a sua realidade social e a quer mostrar nos seus textos:

“...podemos chegar à conclusão de que o escritor escolheu revelar o mundo e especialmente o homem aos outros homens, para que eles, ante o objeto assim posto a descoberto, assumam toda a sua responsabilidade” (SARTRE, 1947)

Por outro lado temos a posição de Barthes que considera que o escritor se desprende de tudo o que tem a ver com seu meio e o escreve assim em A morte do escritor:

“...o preto e o branco no que se perde toda identidade, começando pelo corpo de quem escreve” (BARTHES, 1968)

O debate ainda existe, mas a postura sartriana na que o escritor revela o mundo em seus escritos é a que mais seguidores tem. E é com esse marco teórico que podemos observar que os textos literários oferecem exemplos de comportamentos quotidianos, tradições, interações, variedade de registros, significados conotativos e denotativos por nomear algumas. Esses textos literários permitem tratar conteúdos socioculturais contextualizados e que são significativos para o aluno, somente depende de como nós, os professores, trabalhemos com as obras e que atividades sejam as planejadas.

Outro conceito importante para ter em conta no momento de propor atividades com os textos é a compreensão dele, pois disso depende o êxito na realização das tarefas. A compreensão do texto é uma habilidade complexa pelas diferentes ações que devem atuar e também uma habilidade cultural pela síntese entre o que o texto oferece e o que o leitor possui pelas suas experiências e o seu meio sociocultural. Precisamos interpelar ao texto para que essa síntese ocorra.

Aidan Chambers no seu livro Dime (em espanhol) propõe um enfoque discursivo para interpelar o texto literário. Aidan menciona ações que partem da oralidade e estimulam: opinar, escutar, esperar, antecipar, inferir sobre o que não está dito, respeitar os outros, confrontar e transformar ideias entre outras tantas. Afirma que precisamente nessa conversação o leitor leva seu próprio mundo ao mundo proposto pelo texto e descobre novos e diferentes significados. As múltiplas interpretações e opiniões potenciam a dinâmica de interação e negociação na sala de aula. Fomenta o desenvolvimento das competências orais e como consequência melhoram as produções escritas. Umberto Eco afirma que o sentido do texto é complementado pelo leitor e o descreve desta maneira no seu livro Seis passeios pelos bosques da ficção:

“Todo texto é uma máquina preguiçosa que pede ao leitor que faça parte de seu trabalho. Coitado do texto se dissesse tudo o que o destinatário deveria entender, não acabaria nunca”

Nestes debates com o texto podemos identificar infinitos dados socioculturais como os mencionados anteriormente. Uma vez lograda a apropriação do texto e da situação ficcional, de se comover, argumentar conceitos a favor ou em contra, emocionar-se ou não com o texto o aluno está envolvido afetivamente e preparado para reflexionar sobre as características próprias da língua seja ela nativa, segunda ou estrangeira.


Além disso, e não por isso um tema menor, o “Diseño Curricular de lenguas extranjeras de la Ciudad Autónoma de Buenos Aires” destaca como um de seus objetivos de ensino o seguinte:

“-Disfrutar del placer de leer disfrutando de las riquezas expresivas y el valor estético.” DCLE pág.42

Então, temos um texto literário que quando é indagado pelo leitor permite descobrir o mundo sociocultural que o autor quer mostrar, fazer a relação com o próprio e após a dialética se comover com todo o sentido da palavra, e porque não, ainda mais descobrir o prazer da leitura.

Muitos são os autores que nas suas obras além de oferecer esse olhar do mundo, questionam ao leitor e são esses textos metalinguísticos os que permitem pensar a sua construção desde o lugar do autor, do narrador ou do leitor. Este tipo de texto é particularmente interessante para trabalhar com o enfoque discursivo, pois se completa com as respostas que cada leitor dá. Este recurso de complementação entre escritor e leitor às vezes está explícito e é uma oportunidade para promover e convidar os alunos a participar em debates de opinião na língua estrangeira, sejam estes orais ou escritos, individuais ou grupais concordando com a proposta pedagógica para conseguir o objetivo planificado.


Vamos trabalhar, só como exemplo, com um dos textos infantis de Clarice Lispector: O mistério do coelho pensante (redigido por solicitação de seu filho no ano 1950 e publicado muito depois no ano 1967). As perguntas que eu proponho são simplesmente a modo de exemplo, cada professor deverá adequar ao público de estudantes como também aos objetivos planificados para sua aula. Muitas vezes essas perguntas também podem ser orientadas pelo interesse e pela participação do grupo, pois um dos objetivos será sempre promover a conversação. Isto não quer dizer que o conto será lido fragmentado para fazer as perguntas, somente deixaremos um espaço naqueles momentos que consideramos interessante perguntar para ter um pequeno debate, não mais de dois momentos para promover antecipações e inferências.


Logo de ter lido o conto todo é o momento de retomar a história e conversar de acordo com o modelo discursivo para se apropriar da situação ficcional planejada pelo escritor e conseguir um contexto de aprendizagem significativo e relevante, isto é, reflexionar e contrastar a informação da história com o próprio mundo de conhecimentos e experiências do aluno.


Comecemos com o parágrafo do prólogo:

“Peço desculpas a pais e mães, tios e tias, e avós, pela contribuição forçada que serão obrigados a dar. Mas pelo menos posso garantir, por experiência própria, que a parte oral desta história é o melhor dela.”

Clarice entrega claramente o texto para que a conversa que dele pode surgir o complemente e seja “o melhor dela”. Continuamente ela propõe situações para deter a história e participar antecipando respostas ou soluções e assim debater grupalmente:

“Pois olhe, Paulo, você não pode imaginar o que aconteceu com aquele coelho.”

O que é que terá acontecido?

“Pois bem. Um dia o nariz de Joãozinho - era assim que se chamava esse coelho – um dia o nariz de Joãozinho conseguiu farejar uma coisa tão maravilhosa que ele ficou bobo”.

O que é que terá farejado? Como é que ficou bobo? E vocês alguma vez “farejaram”? E ficaram “bobos”? O que é que aconteceu?

“De pura alegria, seu coração bateu tão depressa como se ele tivesse engolido muitas borboletas”

Será verdade que ele engoliu as borboletas? O que é que sentiu, que sensação é essa, aonde você a sente, alguma vez você a sentiu?

“A ideia era a seguinte: fugir da casinhola todas as vezes que não houvesse comida na casinhola.”

Quais são as intenções, quais as consequências, será que logrou, poderia ter sido de outro jeito com outra ideia?

“Você acha, Paulo, que os donos de Joãozinho zangavam com ele?”

Com a pergunta ela pede que opinemos. O que é que vocês pensam, concordam?

“Zangavam sim. Mas zangavam como pai e mãe zangam com os filhos: zangavam sem parar de gostar.”

Apresenta o paralelismo entre a relação “pai-filho” com a dos “donos com Joãozinho”.

“Aquele coelho, então, nem se precisava ser parente para gostar dele”.

Da situação anterior de raiva passa a ter compreensão e logo empatia com o coelho. Isso é um convite a conversar sobre as emoções e os sentimentos aos outros.

Clarice retoma o problema do coelho e insiste em que pensemos respostas.

“Bem, Paulo — mas eu continuo a lhe perguntar o seguinte: como é que o coelho branco saía de dentro das grades?”

É o momento de propor como é que cada aluno acha que o coelho consegue sair. E não somente isso, pois a escritora afirma que as crianças entendem melhor e o escreve:

“É capaz de você descobrir a solução, porque menino e menina entendem mais de coelho do que pai e mãe.”

Empodera o leitor e o considera com qualidades superiores para resolver o mistério.

“Quando você descobrir, você me conta.”

Terminado este pequeno exemplo de enfoque discursivo, de como trabalhar oralmente com um texto para que o aluno possa apropriar a situação ficcional proposta pelo escritor e finalmente se emocionar ou comover, podemos perceber que a autora Clarice Lispector logrou comover e emocionar a presente audiência. Agora esta história é significativa, pois conseguimos participar com nossas experiências e contrastar o escrito. A partir deste momento a compreensão do texto será uma tarefa muito mais simples. E podemos em aulas sucessivas trabalhar questões gramaticais.

Como pequeno exercício proponho tomar um livro, algumas páginas, e simplesmente pensar quais emoções, sensações, lembranças, temas o texto lhe convida a tratar. Encontrar um parágrafo para se deter e propor antecipações. Se for possível, compartilhar essas ideias com um colega. Isto aproxima o texto às experiências e conhecimentos do leitor.


Lembrem que oferecer este contexto cognitivo é a situação ótima para a compreensão de qualquer tipo de texto e sem compreensão não há leitura.

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