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André Monteiro Diniz & Erika Suellem Castro da

TIC em atividades de ensino e aprendizagem de PLE: algumas ações desenvolvidas com alunos da graduaç


A tecnologia reconfigurou a área de ensino e aprendizagem de línguas. Desde a invenção do fonógrafo, até a Web 2.0, os recursos tecnológicos atuam como suportes valiosos dentro e fora da sala de aula de línguas estrangeiras. Os ambientes virtuais possibilitaram a interação a distância entre aprendentes de idiomas interconectados. Neste relato, apresntamos algumas das ações desenvolvidas por professores e alunos do curso de Letras – Língua Inglesa da Universidade do Estado do Pará, com base em aspectos da competência comunicativa e das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC).


Palavras-chave: Tecnologia; PLE; TIC; competência comunicativa.

 

André Monteiro Diniz é Professor Assistente do Curso de Licenciatura em Letras – Língua Inglesa da Universidade do Estado do Pará (UEPA). Doutorando em Filologia e Língua Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP).


Erika Suellem Castro da Silva é Professora Assistente do Curso de Licenciatura em Letras – Língua Inglesa da Universidade do Estado do Pará (UEPA). Doutoranda em Filologia e Língua Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP).

 

TIC em atividades de ensino e aprendizagem de PLE:

Algumas ações desenvolvidas com alunos da graduação em Licenciatura em Letras-Inglês da Universidade do Estado do Pará (UEPA)


Introdução


O campo de ensino e aprendizagem de línguas estrangeiras (LE) passou por grandes transformações na segunda metade do século XX, sob a influência dos estudos linguísticos e de outras áreas afins, quando diversas abordagens metodológicas e técnicas foram criadas, e o foco dos estudos em Linguística Aplicada e das práticas docentes transitou entre o conteúdo a ser ensinado, o aluno e o processo de aprendizagem em si (BROWN, 2007). O estudo das estratégias e estilos de aprendizagem, o fomento da aprendizagem colaborativa, o foco do planejamento de aulas nas múltiplas inteligências dos alunos são exemplos das novas preocupações de pesquisadores e docentes resultantes dessas mudanças (LARSEN-FREEMAN; ANDERSON, 2014).


Segundo esses mesmos autores (idem), desde o ano 2000 tais alterações vêm sendo influenciadas principalmente por dois aspectos externos: o desenvolvimento contínuo da tecnologia e a globalização. Em relação ao primeiro, observa-se o surgimento de um ambiente mais propício à aprendizagem autônoma fora de sala de aula, pelo acesso às mais variadas mídias na língua-alvo, bem como a previsão da disponibilidade crescente de materiais didáticos baseados em corpora e cursos inteiramente on-line ou em formatos híbridos (combinando os formatos a distância e o presencial).


Em relação ao segundo, há uma crescente demanda por conhecimento de línguas estrangeiras, seja por causa da exigência de mercados de trabalho cada vez mais interligados e que não respeitam fronteiras geopolíticas, seja devido à intensa mobilidade de pessoas entre países pelos mais diversos motivos (migrações por razões políticas, humanitárias, busca pelos grandes centros para aprimoramento acadêmico e/ou científico, o incremento do turismo etc.), seja pela facilidade de acesso aos insumos financeiros, mercadológicos e culturais de outros países com o progresso das telecomunicações e das TIC.


Essa globalização dá azo à emergência de abordagens mais reflexivas sobre a construção da identidade do aprendiz ao se apropriar de determinada LE (KRAMSCH, 2013). Nas palavras de Nóbrega (2014, p. 15), “(...) o encaminhamento das práticas pedagógicas vai além da competência comunicativa e incentiva uma competência plurilíngue e multicultural”. Essa mudança de paradigma traz, por consequência, a necessidade de “(...) novas perspectivas teórico-metodológicas, para as quais os cursos de formação de professores devem estar atentos” (idem, p. 17).


Dentro das premissas colocadas acima, esse artigo disserta sobre o uso de TIC em atividades de ensino e aprendizagem de português língua estrangeira (PLE) e descreve algumas atividades desenvolvidas com alunos da graduação em Licenciatura em Letras-Inglês da Universidade do Estado do Pará - UEPA (professores em formação), suas vantagens e as reflexões acerca da atuação colaborativa daqueles alunos ao idealizá-las e realizá-las.

 

Linguagem e Tecnologia


A disciplina Recursos Tecnológicos no Ensino do Inglês, com carga horária de 80h no curso de Licenciatura em Letras - Língua Inglesa, da Universidade do Estado do Pará (UEPA), tem caráter teórico-prático e visa discutir, entre outros temas relevantes ao professor em formação, a importância do uso das novas tecnologias no ensino e aprendizagem da língua inglesa, além de apresentar possibilidades de uso dessas tecnologias aos discentes.


Um dos tópicos abordados na disciplina é o mobile learning (ou m-learning), o qual, para alguns autores, seria uma modalidade de aprendizagem dentro do chamado e-learning. Para Sharma e Kitchens (2006 apud COSTA, 2013), o m-learning deve ser entendido como um processo de aprendizagem que destaca as vantagens das TIC ubíquas e dos dispositivos que possibilitam essa “onipresença”.


Em Sharples et al. (2009), percebemos que a ideia de mobilidade está vinculada não somente às tecnologias móveis, mas também à mobilidade do próprio estudante, dos conteúdos e dos contextos. O movimento espacial, as transformações temporais e a diminuição de fronteiras - aspectos promovidos pelo m-learning - ampliam as possibilidades de aprendizagem e do acesso à informação (SHARPLES et al., 2009 apud COSTA, 2013).


Outro tópico importante no programa da disciplina Recursos Tecnológicos, nas turmas de Licenciatura em Língua Inglesa da UEPA, diz respeito à modalidade em tandem, contexto de aprendizagem de idiomas de modo recíproco entre dois estudantes falantes nativos de línguas estrangeiras distintas. A modalidade de aprendizagem em tandem é colaborativa e se opera face a face ou por meio de aparato tecnológico.


É pertinente ressaltar a existência de diversos trabalhos desenvolvidos na área de aprendizagem de línguas em tandem, que mencionam a possibilidade de utilização dos mais variados softwares disponíveis, a saber: Windows Live Messenger[1] (TELLES; VASSALO, 2006; SOUZA, 2007; TELLES; FERREIRA, 2010), OoVoo[2] (CÂNDIDO, 2010; TELLES; FERREIRA, 2010), Skype[3] (TELLES; MAROTI, 2009), Adobe Connect[4] (CÂNDIDO, 2010) etc. Ademais, salas de bate-papo (chats) de sites como Sharedtalk, Livemocha e Tandemserver, também são espaços virtuais já utilizados em pesquisas sobre aprendizagem em tandem (NUNES; RAMOS, 2011). O e-mail também constitui suporte eletrônico relevante para a aprendizagem em tandem (BRAGA, 2004; SOUZA, 2007; VASSALLO; TELLES, 2008), especialmente se considerarmos a necessidade dos parceiros linguísticos de negociarem suas sessões com antecedência.


Nosso estímulo à pesquisa sobre aprendizagem em tandem surgiu a partir da observação de necessidades e carências da Região Norte do Brasil, no que tange ao ensino de Português como Língua Estrangeira (PLE) e, como professores do curso de Licenciatura em Inglês, à exposição e prática de nossos alunos com falantes de língua inglesa. Dessa forma, poder-se-ia, além de promover a aprendizagem de PLE por estrangeiros, complementar a formação dos professores em formação na língua-alvo.


Outrossim, percebemos que nossos discentes já estavam inseridos nesse contexto de aprendizagem de línguas em tandem, por relatarem parcerias linguísticas por meio do aplicativo de aprendizagem de línguas intitulado Hello Talk.


O aplicativo Hello Talk é um aplicativo de intercâmbio linguístico, utilizado para aprendizagem de idiomas dentro de uma comunidade virtual internacional. O aplicativo tem por finalidade principal a troca de conhecimento linguístico. Aprendentes de diferentes idiomas podem interagir uns com os outros de várias formas – seja por meio de mensagens instantâneas escritas, mensagens de áudio, chamadas em vídeo e, em sua versão mais recente, por meio de postagens em um “feed de notícias” ou “mural”, semelhante aos das redes sociais Twitter e Facebook.


Na ocasião de um minicurso sobre ensino de gramática por meio de aplicativos e sites, desenvolvido pela Profª Me. Erika Silva e realizado na UEPA, em outubro de 2015, o Hello Talk fora classificado pelos discentes como um bom suporte à sua aprendizagem de línguas estrangeiras.


Os relatos dos discentes, na ocasião do minicurso, bem como ao longo de seminários sobre uso de aplicativos (Apps) na disciplina, nos levaram a perceber que a modalidade em tandem seria interessante não apenas para suas ações enquanto professores de língua inglesa, mas também poderiam servir como ponte para experiências em ensino e aprendizagem de PLE.


Uma das parcerias linguísticas mais relevantes firmadas no Hello Talk foi a de uma discente do curso de Letras – Língua Inglesa da UEPA (denominada V) com um aprendente de PLE francês interessado em vir trabalhar no Brasil (denominado T). Ao longo das interações,a professora em formação percebeu a importância de se considerar não só aspectos de competência estrutural, mas também de competência comunicativa e intercultural naquele contexto de aprendizagem, como podemos observar nos fragmentos a seguir:


Interações entre V e T


Em um primeiro momento, "V" apresenta-se em tom muito professoral nas sessões. Algumas partes da interação foram descartadas por se resumirem a questões gramaticais. Porém, ao longo da pesquisa, a aluna mostrou sua melhor compreensão dos princípios básicos da modalidade em tandem – reciprocidade, uma língua a cada sessão, tempo para assuntos gramaticais nos últimos 15 minutos das sessões etc. Também percebemos sua melhora no quesito “compreensão acerca de crenças e aspectos interculturais”.


Na sessão de 23/02/16, "V" explica o significado de “festeiro” e “baladeiro” quando "T" menciona que às vezes vai para festas na sexta à noite. Ele diz “não ser festeiro”. Cremos que a discente contextualizou bem seus exemplos, além de desenvolver o tópico direcionando para uma boa imagem de nosso país para com os estrangeiros.

 

2016-2-23


T Porque as vezes eu vou fazer festa na sexta em a noite


V Correct Sentences Porque as vezes eu vou fazer festa na sexta em a noite Porque as vezes eu vou fazer festa na sexta a noite V Aqui no Brasil quando uma pessoa costuma ir ora festas todo o fim de semana chamamos de " festeiro(a) ou baladeiro(a)" porque balada seria " festa para jovens "


V Nas baladas geralmente tem : Muita bebida e música eletronica


V Como é na França?


T E mesmo


T :D


T Mas eu não sou um festeiro


T No Brasil pessoas sãos "amigáveis"?


V Saaaaao


V Somos muito amigáveis e acolhedores


V Você entende " acolhedores" ?


T Explica pf


T E bom eu tenho um sinonimo


V Acolher - algo que " recebe bem "


V Pessoas acolhedoras recebem bem outras pessoas


V Por exemplo : Cachorros de rua ( sem casa) devem ser acolhidos por uma família


V Entendeu?


T Sim

 

Em um outro momento, T pergunta se no Brasil o dinheiro é um assunto “tabu”. Ele demonstra muita curiosidade e preocupação justamente porque viverá no Brasil em breve.

 

2016-2-23


T E no Brasil dinheiros sãos um sujeito "tabu" ?( google meu amor )


V Correct Sentences E no Brasil dinheiros sãos um sujeito "tabu" ?( E no Brasil dinheiro é um assunto "tabu" ?( (...)

V Mais ou menos .. Eu não acho que seja um tabu forte


T Na franca isso é mais ....

 

A discente não reforça a crença de seu parceiro linguístico e talvez pudesse desenvolver mais a conversa, informando que não é de bom perguntar “quanto você ganha?”, por exemplo. No entanto, a tentativa de explicar determinada percepção como ser nativo daquela cultura sem exagero, de modo a evitar uma expressão forte de negatividade sobre a cultura-alvo demonstra ser adequada, tendo em vista a possibilidade de integração do estrangeiro à sociedade brasileira em breve.

 

A experiência com uma turma de PEC-G da Universidade Federal do Pará: o contato com aprendentes de PLE


A Universidade Federal do Pará (UFPA) é a única instituição do Estado do Pará apta a receber estudantes participantes do Programa PEC-G (Programa de Estudantes-Convênio de Graduação).

O PEC-G é um programa implementado em conjunto pelos Ministérios de Relações Exteriores e da Educação brasileiros e países em desenvolvimento com os quais o Brasil mantém acordos educacionais e culturais. Os alunos são selecionados para realizar sua graduação no país. Para isso, fazem um curso preparatório de português para estrangeiros de nove meses para fazer um teste de proficiência (Celpe-Bras).


Entramos em contato com a professora responsável pela coordenação do curso, explicando que uma de nossas ações na disciplina Recursos Tecnológicos poderia ser interessante para a turma PEC-G. Houve uma pronta aceitação pela coordenadora e a sugestão de desenvolvermos uma dinâmica com os alunos daquela turma.


Foi desenhada então uma atividade a ser realizada por alunos das turmas de segundo e terceiro anos do curso de Licenciatura Letras - Inglês da UEPA. Os cinco discentes, dentre os quais apenas dois haviam tido experiências breves com PLE, refletiram sobre a importância de se considerar o contexto sociointercultural em que os aprendentes estrangeiros estavam inseridos – a cidade de Belém do Pará, as situações dentro da própria Academia, as necessidades do dia a dia, a utilização de meio de transportes, a interação com nativos etc. e, ainda, algumas expressões e termos do cotidiano paraense, com foco em situações prováveis de uso por meio daqueles aprendentes.


Os discentes da UEPA procuraram contemplar aspectos pragmáticos e socioculturais em sua apresentação, demonstrando por meio de suporte visual os meios de transporte mais utilizados pelos moradores da cidade, as formas mais comuns de se cumprimentar e de se despedir etc. Eles também reportaram a preocupação de apresentar noções funcionais de quebra de estereótipos, com enfoque primordial no elemento intercultural das interações.


Como se pode observar, de modo complementar à sua formação como futuros professores, a necessidade de vislumbrar aspectos que fogem à restritiva visão estrutural de língua estrangeira por si só já os levou à reflexão e ao estudo de uma abordagem tendente ao desenvolvimento de uma competência pragmática e intercultural de seus aprendentes.


Ao longo da dinâmica, a cada consideração sobre comportamentos de ordem cultural, por exemplo, os professores em formação solicitavam aos estrangeiros que comparassem brevemente aquelas formas com suas próprias formas de comportamento social em suas respectivas culturas, de modo a fazer elevar ao nível de consciência dos aprendizes às diferenças interculturais e fazer com que eles as percebam como algo inerente à interação.


O contraste entre as culturas, realizado sem que haja a aplicação de juízos de valor sobre elas, é relevante para a experiência dos professores em formação e também para os alunos de PLE, pois a todo momento se deparam com essas diferenças e, muitas vezes, a interpretação negativa de hábitos (linguísticos ou não) diferentes - ou mesmo a criação de estereótipos baseados em comportamentos distintos dos de sua cultura - constituem barreira difícil de ser superada para uma integração mais efetiva à cultura local.


A respeito da competência intercultural:


De acordo com Byram (1997), o falante intercultural não apenas reúne fatos sobre a cultura estrangeira, ele é também capaz de colocar essa informação em diálogo com informações sobre a sua própria cultura. Deve-se “deixar de lado” seus julgamentos com relação aos significados, às crenças e ao comportamento do outro, bem como buscar entendê-los pelo olhar do parceiro com quem se estabelece interação” (ZANCHETTA, 2015, p. 32).


A dinâmica se iniciou com um vídeo da canção “Amor de promoção”[5], uma música em ritmo de carimbó (dança típica do Pará) da cantora e compositora paraense Lia Sophia. Em termos gerais, o vídeo mostra de forma bem-humorada a história de um casal que se separa e se reencontra dentro de um dos ônibus de Belém. No vídeo, há uma referência a um dos costumes mais comuns dos moradores da cidade, que é o de se preocupar em sair com um guarda-chuva de casa, em função da famosa chuva da tarde. Foi bastante interessante observar as discussões que nortearam as preparações das aulas pelos discentes e ver emergir neles um olhar de fora a respeito de sua própria cultura, pois, para ensinar aos alunos de PLE a respeito de atitudes tão comuns e frequentes em seu cotidiano, eles tiveram que reinterpretá-la com uma visão crítica e distanciada.


Em relação à música em si, os professores em formação também fomentaram uma atividade de discussão com os aprendentes estrangeiros acerca do significado da expressão “amor de promoção” (a cantora chama assim o sentimento falso do ex-namorado na letra da canção).

Após a dinâmica, outras expressões foram apresentadas aos aprendentes estrangeiros por meio de slides com tirinhas de humor, o que parece, juntamente com o vídeo supracitado, ter facilitado a proximidade entre os dois grupos. Abaixo, alguns exemplos dos termos introduzidos aos alunos:


FIGURA 1 – Uso da expressão paraense “mas quando”.

Fonte: Google


 

FIGURA 2 – Uso das expressões “égua” (explicação na descrição da figura) e “toró” (significado: chuva forte).

 

FIGURA 3 – uso da expressão paraense “arreda” (comando para pedir a alguém que se afaste)

 

Outro aspecto interessante a se observar foi a reflexão gerada nos discentes pelas escolhas de algumas expressões típicas paraenses. Os exemplos trabalhados por eles são marcados prosodicamente na fala. Dessa forma, enquanto preparavam as explicações e situações de uso para ensiná-los, eles perceberam a importância de ir além do seu significado literal e a relevância de observar aspectos pragmáticos e culturais para a compreensão plena de certas manifestações linguísticas.


Para os significados de alguns dos exemplos acima, pinçamos as definições constantes em dicionário on-line de expressões paraenses[7]

  • Mas quando: ta brincando?!; expressão negativa, dita quando se discorda de algo. Pode significar desdém, subestimação ou contrariedade de uma afirmação.

  • Égua: expressão de admiração, insatisfação, raiva, alegria, espanto, tristeza…É usada em 99% das frases ditas pelo paraense.

Nos casos exemplificados, a compreensão plena das expressões deve vir acompanhada de seus elementos prosódicos. No primeiro, há um alongamento da vogal da segunda palavra, com uma significativa redução da curva tonal durante sua produção (mas quaaaaando!). De outra forma pronunciado, gera confusão no ouvinte e sua carga semântica fica comprometida, podendo inclusive ocasionar situações de constrangimento para o estrangeiro.


No segundo caso, trata-se de uma interjeição que, dependendo da sua entonação e contexto de uso, pode ter diversos significados. Por ter uma frequência muito alta na fala do paraense, é importante que o estrangeiro observe as distinções de seu uso. O domínio de uma expressão tão corrente pode certamente influenciar na eficiência comunicativa e na integração do falante com a cultura da língua-alvo.


Portanto, os aspectos prosódicos foram elevados ao nível de consciência dos professores em formação, demonstrando a eles a importância de aspectos não estruturais da língua na preparação de suas aulas. Além disso, essa reflexão surtiu um efeito de surpresa e ineditismo em abordar conteúdos que fazem parte da competência sociolinguística e intercultural dos alunos.


Por último, ao explicar essas particularidades das expressões em questão, eles orientaram os alunos a observarem esses aspectos quando de suas interações no dia a dia em Belém. Desta forma, eles podem ser capazes de, mediante as observações de outras situações cotidianas, atentar para esses elementos paralinguísticos e adquirir de forma mais eficiente novas estruturas e relacioná-las ao seu contexto de uso, adicionando-as ao seu repertório de forma mais eficiente comunicativamente.

 

O desenvolvimento do aplicativo de expressões paraenses Pará2u pelos alunos da UEPA

Ainda sobre aplicativos, com base em algumas leituras - Kukulska-Hulme & Shield (2008), Zilber (2013), que tratam do uso de aplicativos na área de ensino e aprendizagem de línguas; Silva & Batista (2015), que apresentam critérios de avaliação de aplicativos; Souza (2015), que relata o uso de aplicativos de fins não pedagógicos em contextos adaptados para esses fins (ex.: WhatsApp); e, finalmente, Salomão et al. (2011) e Peron (2013), que relatam o processo de produção de dicionários on-line – interessamo-nos em elaborar uma proposta que contemplasse o uso da tecnologia móvel em contexto de língua estrangeira a partir da experiência com os estudantes estrangeiros da UFPA.


Entendemos que poderia ser producente aos alunos da disciplina de Recursos Tecnológicos desenvolver um aplicativo de celular de expressões regionais com definição e tradução para o inglês, além de exemplo de uso, especificamente direcionado ao público de estrangeiros aprendentes de PLE. Acreditamos que o desenvolvimento do referido App promoveria ao docente em formação uma experiência inovadora que sistematiza e amplia seus conhecimentos linguísticos e tecnológicos.


Após a experiência de ensino e aprendizagem de PLE na Universidade Federal do Pará, consolidamos o projeto de desenvolvimento desse App, estreitando ainda mais nossos objetivos. Pensamos na possibilidade de construirmos um projeto-piloto de aplicativo de expressões paraenses para estrangeiros com base nas possíveis necessidades dos estudantes estrangeiros, no que diz respeito à locomoção na cidade de Belém, à vivência dentro da própria universidade, ao possível choque cultural, às interações que precisariam estabelecer e manter ao longo de sua estadia na cidade etc.


Acerca das expressões locais, a intenção era a de promover o insumo linguístico e cultural de um vocabulário ao qual os aprendentes estrangeiros possivelmente seriam expostos. Houve a preocupação de pontuar que o uso das expressões supracitadas seria determinado pelo contexto da interação.


Procurando algumas informações sobre o aplicativo “Cearês”, desenvolvido pela Mobwiz, com mais de 350 expressões de exemplos de uso, chegamos ao site do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), o qual oferece o MIT App Inventor, totalmente gratuito, para fins de pesquisa e educação.


Contatamos um profissional com mestrado na área de Web Design e Marketing, especialista em desenvolvimento de sites responsivos para esclarecer possíveis dúvidas dos alunos da disciplina a respeito do uso da plataforma ofertada pelo MIT. O especialista apresentou aos discentes, passo a passo, o cadastro no site do MIT, o modo de inserção de vocábulos na plataforma, as ferramentas a serem utilizadas, entre outros elementos inerentes ao processo.


FIGURA 4 – screenshot do protótipo do aplicativo na plataforma MIT

Fonte: MIT

 

Escolhida a plataforma de construção do aplicativo, era preciso pensarmos sobre a base teórica do projeto linguístico a ser desenvolvido pela turma dos discentes do segundo ano.


Ao procurarmos um aporte teórico para o projeto linguístico do aplicativo, encontramos um trabalho bastante interessante - o Projeto COPA 2014 FrameNet Brasil (SALOMÃO et al., 2011), da Universidade Federal de Juiz de Fora (MG) em associação com a UNISINOS (RS). Esse projeto visava construir um dicionário temático trilíngue (Português, Espanhol, Inglês), em meio eletrônico, para os domínios do Futebol e Turismo.


O que nos chamou atenção em especial foi a teoria denominada “Semântica de Frames” (FILLMORE, 1977, 1982, 1985 apud PERON, 2014), vinculada à Linguística Cognitiva e à Linguística de Corpus, arcabouço teórico de base para o Projeto COPA 2014 FrameNet Brasil.


Sobre o conceito de frame, temos:


Para Fillmore (1982), um frame é um sistema de categorias estruturadas de acordo com um determinado contexto motivador, sendo este um padrão de práticas vinculadas a uma instituição social, possibilitando que determinada categoria específica se torne inteligível na história de uma comunidade linguística [...].O exemplo mais conhecido é o frame de Transação Comercial (FILLMORE, 1982). Os elementos desta cena esquemática incluem uma pessoa com posse de dinheiro interessada em trocá-lo por uma mercadoria (comprador), o possuidor da mercadoria que quer trocá-la por dinheiro (vendedor), e as mercadorias que o Comprador pode adquirir ou adquiriu com o dinheiro (Mercadorias) e o dinheiro obtido pelo vendedor (Dinheiro). De acordo com a escolha lexical dos verbos que evocam esse frame, há um enfoque diferente. Se escolhermos o verbo “pagar”, a perspectiva enfoca tanto na ação do comprador em relação ao dinheiro, quanto do vendedor; já o verbo “vender” tem o foco na ação do vendedor, enquanto que o verbo “comprar” direciona para o comprador. (PERON, 2013, p. 4)


Peron (2013) complementa ainda afirmando que “o frame é uma estrutura conceptual complexa, uma vez que uma palavra, ao ser mencionada, traz consigo a experiência socialmente compartilhada” (PERON, 2013, p. 4). Nesse sentido, a experiência do falante e o conhecimento partilhado entre os interlocutores são de extrema relevância para a construção do significado de um vocábulo ou expressão; isto é, “o significado de uma palavra requer o conhecimento de todos os conceitos que estão relacionados a essa palavra” (CHISMAN, 2013, p. 81).


A proposta temática do Dicionário da Copa (www.dicionariodacopa.com.br) nos pareceu apropriada para a elaboração do App com expressões paraenses; primeiro, porque contextualiza os vocábulos de acordo com o uso real destes e, segundo, porque não se caracteriza como um dicionário meramente descritivo ou tradicional, cuja busca por vocábulos se dá pelos lexemas, mas sim por unidades lexicais (ULs) que se constituem como “pareamentos de uma forma lexical a um significado estruturado em termos de um frame – visto que para compreender uma de suas partes, torna-se imprescindível o conhecimento do todo” (PERON, 2013, p. 6).


As etapas realizadas pelos discentes foram: leitura do texto de Peron (2013), com apresentação de resumo do referido texto; discussão sobre M-Learning (KULKUSKA-HOLME; SHIELD, 2008); apresentação do aplicativo “Cearês” à turma; apresentação da plataforma App Inventor do MIT; apresentação do Dicionário da Copa; escolha das expressões paraenses (com base no relato de experiência da apresentação à turma PEC-G da UFPA e nos corpora já elencados aqui) e apresentação do trabalho das equipes responsáveis pela transcrição fonética dos vocábulos escolhidos, pelas definições em português e pela tradução para o inglês. A transcrição fonética foi devidamente revisada pelo Profº Me. André Diniz. Uma demonstração de uma das expressões selecionadas pode ser visualizada abaixo:


FIGURA 5 – screenshot da página inicial do App

FONTE: APP PARÁ2U

 

FIGURA 6 – screenshots da página do vocábulo “arreda”, seguindo a “Semântica de Frames” (FILLMORE, 1977, 1982, 1985 apud PERON, 2014).

FONTE: APP PARÁ2U

 

Considerações


Conforme demonstrado nas experiências mencionadas neste artigo, o contexto de aprendizagem em tandem promove não só a colaboração entre os parceiros linguísticos, como também condições adequadas para que o aprendente torne-se cada vez mais autônomo e responsável pelo seu processo de aquisição de uma LE, seja ele um aprendiz em um curso preparatório para um exame de proficiência, seja ele um aluno de graduação aprendendo colaborativamente com seus colegas.


Nesse diapasão, o contato com estrangeiros em situação de imersão contribuiu para que os professores em formação pudessem cooperar uns com os outros na organização de um plano de aula que contemplasse aspectos socioculturais e pragmáticos naquele contexto, demonstrando a importância da reflexão em suas práticas e, consequentemente beneficiando sua futura atuação profissional, pois a produção colaborativa de um aplicativo de expressões idiomáticas paraenses para aprendentes estrangeiros configura-se como uma experiência intercultural que faz com que o professor em formação reflita sobre sua própria cultura e sobre como um aprendente estrangeiro pode interpretar essas expressões em situações especificas de interação.


É importante ressaltar as vantagens da utilização das TIC no contexto descrito e os benefícios de seu uso no fomento motivacional e nas práticas dos aprendentes, o que pode levar à criação e manutenção de um ambiente mais propício à aprendizagem dos alunos.

 

Referências


BRAGA, J. C. F. Aprendizagem de línguas em regime de tandem via e-mail: colaboração, autonomia e estratégias sociais e de compensação. 2004. Dissertação (Mestrado em Linguística Aplicada) – Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Letras, Belo Horizonte.


CÂNDIDO, J. Teletandem: sessões de orientação e suas perspectivas para o curso de Letras. São José do Rio Preto. 2010. 230 f. Dissertação (Mestrado em Linguística Aplicada) – Universidade Estadual Paulista.


CHISMAN, R. Convergências entre Semântica de Frames e Computação. Signo. v. 38, n. 65, p. 70-85, 2013.


COSTA, G. S. Mobile Learning: explorando potencialidades com o uso do celular no ensino -aprendizagem de língua inglesa como língua estrangeira com alunos da escola pública. 2013. Tese (Doutorado) – Universidade Federal de Pernambuco.


KRAMSCH, Claire. Culture in language teaching. Iranian Journal of Language Teaching Research. v. 1, n.1, p. 57-78, jan. 2013.


KUKULSKA-HULME, A.; SHIELD, L. An overview of mobile assisted language learning: can mobile devices support collaborative practice in speaking and listening? Proceedings of the conference EuroCALL ’07 Conference Virtual Strand, 2007.


LARSEN-FREEMAN, D.; ANDERSON, M. Techniques and principles in language teaching. Oxford: Oxford University Press, 2014.


NÓBREGA, M. H. Intercâmbios educacionais e diversidade cultural: implicações para o ensino de português para falantes de outras línguas. Rev. Brasileira de Linguística Aplicada, Belo Horizonte, v. 14, n. 1, Mar. 2014.


NUNES, E. M. S; RAMOS, W.C Aprendizagem de línguas in-tandem: um suporte inovador na aprendizagem de língua inglesa. Horizontes de Linguística Aplicada, ano 10, n. 1, jan./jun. 2011.


PERON, S. R. Elaboração de um dicionário trilíngue para copa 2014: o frame de atração_turística a partir das unidades lexicais Atrair/ Atraer/ Attracts. Revista Gatilho (PPGL/ UFJF. Online) , v. v.16, p. 1, 2013. Disponível no site: <http://www.ufjf.br/revistagatilho/files/2013/05/Dicion%C3%A1rio-tril%C3%ADngue.pdf >. Acesso em 20 ago 2016.


SALOMÃO, M.M.M; TORRENT, T.T.; CAMPOS, F.C.A.; BRAGA, R.M.M. & VIEIRA, M.B. Copa 2014 FrameNet Brasil. Projeto de Pesquisa. Juiz de Fora, 2011.


SOUZA, R. A. Aprendizagem de línguas em e-tandem via mensagens instantâneas: um estudo de caso. Dissertação (Mestrado em Estudos Linguísticos). Programa de Pós-Graduação em Lingüística Aplicada da Universidade Federal do Rio de Janeiro. UFRJ. Rio de Janeiro, 2007.


TELLES, J. A.; FERREIRA, M. J. Teletandem: possibilidades, dificuldades e abrangência de um projeto de comunicação on-line de PLE. Horizontes de Linguística Aplicada, v. 9, n.2, p. 9-104, 2010.


TELLES, J. A.; MAROTI, F. TELETANDEM: Crenças e respostas dos alunos. Rev. Teoria e Prática da Educação, v.12, n.1, p. 37-58, 2009.


TELLES, J. A.; VASSALO, M.L. Foreign Language Learning in-tandem: teletandem as an alternative proposal in CALLT. The ESPecialist, vol. 27, nº 2, p. 189-212, 2006.


VASSALLO, M.L.; TELLES, J. Aprendendo línguas estrangeiras in-tandem: histórias de identidades. Rev. Brasileira de Lingüística Aplicada, v. 8, n. 2, 2008.


ZANCHETTA, H. B. Aspectos culturais como fios condutores de interações em tandem na aprendizagem de Português Língua Estrangeira: interculturalidade, estereótipos e identidades. Dissertação (Mestrado). UNESP, 2015.


ZILBER, J. Smartphone apps for ESL: finding the wheat amidst the chaff. Contact Magazine, 2013.


ZOGHBI, Denise. Língua e cultura no ensino-aprendizagem de Português Língua Estrangeira. In SILVA, Kleber; SANTOS, Danúsia (orgs.). Português como língua (inter)nacional: faces e interfaces. Campinas: Pontes Editores, 2013. p. 173-90.

 

[1] O Windows Live Messenger é um programa de bate-papo bastante popular principalmente na primeira década dos anos 2000.


[2] O ooVoo é um programa que permite realizar chamadas de voz e vídeo com vários contatos do mundo inteiro simultaneamente e sem nenhum custo. O aplicativo permite ainda mandar mensagens de texto grátis.


[3] Skype é um programa de computador que permite comunicação pela Internet através de conexões de voz e vídeo.


[4] Adobe Connect (antes denominado Presedia Publishing System, Macromedia Breeze ou Adobe Acrobat Connect Pro) é um programa utilizado para a criação de apresentações e conferências pela Internet.


[5] Link do vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=v8kE6GD0WWE


[6] Para visualizar essa e mais charges: https://www.facebook.com/Ser-Paraense-%C3%A9-292172687605605/


[7] Extraído do site < https://artepapaxibe.wordpress.com/expressoes-populares/ >.Acesso em: 14 ago 2016.

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