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Adrián Canteros (AAPP)

As relações Brasil-Argentina e o ensino do português


O ensino do português na Argentina pode ser estudado da perspectiva política, econômica, cultural e ideológica. Neste artigo, o Prof. Adrián Canteros, em representação da Asociación Argentina de Profesores de Portugués, compartilha uma série de reflexões sobre o ensino de PLE em território argentino, no quadro das relações bilaterais entre a Argentina e o Brasil.


 

As relações Brasil-Argentina e o ensino do português

Adrián Canteros

Em trabalhos anteriores (Canteros: 1999 e 2012) afirmávamos que o ensino do português na Argentina esteve (e ainda continua) vinculado a fatores de caráter político, económico, cultural e ideológico. Com efeito, desde que começaram as primeiras tentativas de aproximação dos respectivos estados, e mesmo dos atores sociais no âmbito da cultura, os vínculos entre a Argentina e o Brasil foram muito complexos, indo da desconfiança e concorrência permanente em decorrência das necessidades de cada Estado para garantir o interesse nacional, a segurança exterior e a soberania, até a promoção da cooperação, a interdependência e a integração.



Segundo Rusell e Tokatlian (2003: 14) para finais do século XIX o Brasil, ou melhor, suas classes dirigentes, eram vistas pelas homônimas da Argentina com indiferença no plano econômico e cultural e com desconfiança no plano estratégico, notadamente pela necessidade de evitar uma aliança entre o Brasil e o Chile em um momento de tensas relações com o país transandino por questões limítrofes. Todavia, entre 1898 e 1961 ganha espaço o que se conheceu como Diplomacia Cultural (Arrosa Soares: 2008; Santos: 2006) responsável, pela primeira vez, de algumas das ações que mais tarde serão o foco das estratégias de cooperação e de integração entre argentinos e brasileiros, entre elas, o ensino de suas respectivas línguas oficiais. Com efeito, essa fase nas relações bilaterais se caracterizou por salientar a promoção não apenas da cooperação política e econômica, mas também a cultural, através de ações como o conhecimento da história e da cultura dos “outros” ou os intercâmbios acadêmicos, científicos e tecnológicos, para favorecer a convivência pacífica.


Essa ideia teve uma grande acolhida entre argentinos e brasileiros, o que se refletiu em uma série de acordos e convênios assinados durante as décadas de trinta a cinquenta e nos quais a cooperação expressava a transformação e ampliação da tradicional agenda dos países. Durante esse período, o trabalho de atores estatais e não estatais se manifestou em uma ativa participação na promoção e realização de diferentes projetos de intercâmbio e cooperação entre vários grupos da sociedade civil. Esses projetos se associavam, como é lógico, a interesses políticos e econômicos que postulavam a integração regional como estratégia para o desenvolvimento e a autonomia da região em um contexto de crise econômica mundial. Por isso, as visitas recíprocas dos Presidentes Justo (1933) e Vargas (1955) e a assinatura de numerosos Tratados e Convênios, como os do fomento do Turismo; de intercâmbio intelectual e artístico; de revisão dos textos de história e geografia; de troca de publicações e de intercâmbio de professores e estudantes (Ruiz Moreno: 1965; Fraga: 2000, em Santos: 2009, 358) expressam essa nova fase de cooperação e amizade. Santos (op. cit.) mostra que as principais linhas de ação político-cultural foram, nesse período, a criação dos Institutos Culturais, cuja missão era promover, perante as autoridades de cada Estado, os benefícios decorrentes de um maior e melhor conhecimento da geografia e da história do Brasil e da Argentina, bem como difundir o ensino de suas respectivas línguas e literaturas, a produção científica, comercial e industrial de cada país, e estimular o turismo. Além dessas atividades, correspondia aos institutos organizar Congressos, Seminários, Concursos literários, missões culturais, mostras de livros, de cine, de música, de arte e de teatro, o que revela a importância dessas instituições como agentes de difusão cultural.


Foi nesse contexto, então, que em 1936 foi criado o Curso para Professores de Português e Literatura Brasileira no antigo Instituto Nacional del Profesorado Secundario (Pasero: 2007), que mais tarde, em 1954 foi transferido para a instituição pioneira na formação de professores de línguas estrangeiras na Argentina, o IES em Línguas Vivas “Juan Ramón Fernández”. Iniciada a formação de professores, embora restrita à cidade de Buenos Aires, correspondia difundir o ensino do português no sistema educacional, e por isso em 1942 a Lei 12.766 dispôs, de um lado, o ensino do português como língua optativa na última série das escolas de segundo grau que já tivessem no seu currículo o ensino de línguas estrangeiras a partir de 1943, e de outro, a criação da cadeira de Português nos Institutos Nacionales del Profesorado.


Terminando a década de cinquenta, a Argentina e o Brasil tentaram revitalizar o espírito de cooperação cultural dos anos trinta e quarenta, que a Segunda Guerra Mundial tinha sepultado. Para isso, mais uma vez foi assinado novo Convênio de Intercâmbio Cultural mediante o qual os respectivos governos se comprometiam, entre outras coisas, a renovar o intercâmbio cultural, subsidiando as atividades realizadas pelas instituições culturais, educacionais e científicas dedicadas à difusão das respectivas línguas e culturas; a tentar incluir no currículo do ensino médio e dos cursos pré-universitários, o ensino do idioma da outra parte, bem como o ensino da literatura nas cadeiras de Literatura Americana das Faculdade de Filosofia e/ou Letras; e finalmente, a fomentar a criação de centros de ensino e difusão da língua e da cultura da outra parte, oferecendo condições favoráveis para a mobilidade acadêmica dos docentes encarregados de ministrar os cursos nesses centros.


No início dos anos sessenta cada estado teve que resolver os próprios problemas internos que se avolumavam, o que explica o abandono definitivo da aproximação e sua extinção com a chegada dos governos militares em ambos os países. A substituição da democracia pelos governos autoritários da década de sessenta e setenta marcou o início de uma nova fase nas relações entre os Estados (1962-1979), período que se caracterizou pelas tensões geradas em um contexto de ressurgimento da hipótese de conflito bélico com o Brasil, devido ao problema do uso dos recursos hídricos do rio Paraná.


Fator chave para acabar com as desconfianças e os receios foi a atitude assumida pelo Brasil durante a guerra pela recuperação das Ilhas Malvinas, que não apenas defendeu o direito da Argentina sobre as ilhas, mas também assumiu a representação dos interesses de Buenos Aires em Londres. Segundo Moniz Bandeira (1993), o governo brasileiro, que poderia ter tirado vantagem da conjuntura, preferiu acabar com o sentimento de rivalidade, restabelecer a confiança e fomentar as condições para uma posterior integração econômica com a Argentina.

Com a recuperação da democracia em 1983, mas com um país arrasado pela recessão e pela dívida externa, o presidente Alfonsín iniciou um processo inédito nas relações com o Brasil. Foi principalmente a partir de 1987 que se substituiu a cooperação pela integração como estratégia para defrontar os problemas da inserção da região na economia global, o que teve um impacto profundo no campo do ensino do português.


Do processo histórico que inicia em finais dos anos setenta podemos salientar, então, que ao lado do maior ou menor protagonismo do Estado, outros atores da sociedade civil, como aconteceu na década de trinta, adotaram o ideário integracionista, desenvolvendo diferentes projetos e programas de complementaridade em muitas e diferentes áreas; em segundo lugar, que a partir de finais da década de setenta se produziram novas e melhores condições para uma nova aproximação, a partir da recuperação da cooperação em áreas estratégias, como a energética e a militar, primeiro, e da integração econômica, política e cultural mais tarde; e finalmente, e no que diz respeito ao papel da língua e da cultura do Brasil nesse processo de cooperação e integração, a situação se modificou radicalmente, como revela:

  • A extraordinária expansão da língua portuguesa no sistema educacional não formal, o que a posicionou como a segunda língua estrangeira mais procurada pelo público adulto;

  • A nacionalização ou federalização (Canteros: 2008) do campo da formação de professores de PLE, principalmente a partir da década de noventa, ou seja, o surgimento de cursos de licenciatura em PLE por grande parte do território nacional;

  • A ocupação de espaços curriculares e extracurriculares no sistema educacional formal em forma diferencial, com uma maior presença no nível superior universitário e não-universitário e uma muito menor nos níveis fundamentais e médio;

  • A implementação de novos ou renovados projetos de cooperação e integração na área cultural, que impulsionam ações concretas de intercâmbio acadêmico, científico e tecnológico, através da conformação de diferentes grupos de trabalho de especialistas; e

  • O surgimento de novos atores sociais comprometidos com o projeto integracionista, como as Associações de Professores, as Universidades da região, os grupos de docentes e pesquisadores envolvidos na transnacionalização do conhecimento, etc.

Um desses atores, a Asociación Argentina de Profesores de Portugués, surgiu em outubro de 1997 para contribuir a consolidar a presença da língua e cultura do Brasil no território argentino, bem como para promover a formação continuada e o desenvolvimento profissional dos professores de Português. Para tanto, a AAPP organizou até hoje numerosos Congressos, Jornadas, Foros e Seminários em diferentes locais da Argentina, tentando assim atingir o maior número possível de pessoas engajadas nos objetivos fundacionais; ela participou, também, em diferentes foros de discussão sobre a problemática do ensino de português para falantes de espanhol, do papel das línguas oficiais do Mercosul em cada um dos países envolvidos, e sobre a língua portuguesa nas Diásporas, que permitiu resgatar a presença de portugueses e cabo-verdianos na cultura nacional. Também, através dos membros da Diretoria, ela participou de numerosas reuniões e âmbitos de discussões onde se decidia a presença (ou não) do português no sistema formal de ensino no âmbito das políticas educacionais federais e estaduais. Muitas foram, então, as ações que revelam o compromisso da AAPP com as línguas em português, como disse Saramago e com a difusão do seu ensino no país.


Apesar do trajeto percorrido, ainda há muito o que fazer pela difusão do português no contexto de novas mudanças nas relações internacionais em que as dimensões econômica, política e ideológica marcarão o rumo dos próximos anos.

 

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