O Embaixador, Sr. Julio Glinternick Bitelli, traça um percurso histórico sobre o ensino do português na Argentina e destaca que faz parte de um processo de integração regional entre a Argentina e o Brasil. Salienta no artigo o papel do IGR (Instituto Guimarães Rosa) e dos Leitorados presentes na Argentina: tanto na Escuela Normal Superior en Lenguas Vivas Sofía Esther Broquen de Spangenberg, também conhecida como "Lengüitas", como na Universidad Nacional de Tres de Febrero.
O Instituto Guimarães Rosa Buenos Aires e a Promoção do Português na Argentina
Por Exmo. Sr. Embaixador, Julio Glinternick Bitelli
No último mês de julho, o Instituto Guimarães Rosa Buenos Aires se mudou de sua antiga sede, na Avenida Belgrano, para um edifício na esquina das ruas Florida e Perón, em localização privilegiada no centro da cidade, área de grande circulação. O novo espaço, de dois mil metros quadrados em um único andar, marca uma nova fase do Instituto, que busca se tornar mais que uma escola de idioma, passando a ser um centro de difusão da cultura brasileira, parte do circuito cultural da cidade.
A medida faz parte de um processo constante de aproximação entre o Brasil e a Argentina, bem como de fortalecimento do português como ferramenta de integração regional, intercâmbio acadêmico, cultural e intelectual, e geração de oportunidades econômicas para os dois países.
Embora o ensino de português na Argentina tenha muitas décadas de história, é a partir de 1991, com a criação do Mercosul, que o idioma ganha renovada importância política e econômica, assumindo, juntamente com o espanhol no Brasil, caráter de motor da coesão entre os dois países. Até então, em que pese a proximidade geográfica, a relação sofria de um certo sentimento de isolamento, e um olhar mais frequentemente voltado aos países desenvolvidos como fontes de modelos de desenvolvimento e polos de transmissão cultural(1).
Hoje, o português aumenta gradualmente sua presença na sociedade argentina, e se torna fonte de interesse cada vez maior, em razão das oportunidades que seu conhecimento enseja. Desde 2008, com a promulgação da lei 25.181, a oferta da língua portuguesa é obrigatória nas escolas secundárias argentinas.
O IGR contribui para esse processo, ao oferecer aulas para todos os níveis de português, além de módulos sobre temas específicos. Trata-se da vertente do português como língua estrangeira, buscada por aqueles que desejam ampliar seu repertório linguístico-cultural com o aprendizado de novos idiomas. Outra vertente importante é o português como língua de herança, que promove o uso do idioma entre emigrantes brasileiros que conservam consigo o português no ambiente doméstico e desejam que seus familiares reforcem seus vínculos com o Brasil. Atividades desta vertente incluem rodas de leitura para o público infantil, cursos específicos para crianças e celebrações culturais, como festas juninas e carnaval.
O Instituto coordena, ademais, as inscrições para o Programa de Estudantes Convênio (PEC), que oferece vagas gratuitas a estudantes brasileiros em cursos de língua portuguesa, de graduação e de pós-graduação stricto sensu (mestrado e doutorado) em Instituições de Ensino Superior brasileiras. Além de fomentar a integração regional e a formação acadêmica de cidadãos de países em desenvolvimento, o programa promove a internacionalização da educação superior brasileira mediante o estímulo à convivência intercultural.
A música, o cinema, a literatura e outras expressões artísticas brasileiras encontram um público entusiasmado na Argentina, e o conhecimento do português permite uma compreensão mais profunda dessas manifestações culturais. Autores como Machado de Assis, Clarice Lispector e João Guimarães Rosa, que dá nome ao IGR, têm suas obras traduzidas para o castelhano e influenciam diversas gerações de autores argentinos, além de encontrarem grande aceitação em seu idioma original. O intercâmbio cultural não apenas enriquece os indivíduos, como também contribui para a construção de uma identidade compartilhada, em um contexto mundial em que crescem os regionalismos e as relações entre povos e nações fisicamente mais próximos.
O IGR conta com a maior biblioteca em idioma português da Argentina, com mais de 16.000 volumes, e realiza frequentemente atividades de promoção da literatura brasileira e incentivo à leitura. Em abril, coordenou, em parceria com a Câmara Brasileira do Livro, o estande do Brasil na 48ª Feira do Livro de Buenos Aires. Com a presença de sete autores brasileiros, o estande contou com mais de 40 horas de programação que incluíram seminários com autores, sessões de autógrafos, debates com professores e acadêmicos locais, oficinas para o público infantil, sessões demonstrativas de cursos oferecidos pelo IGR, além de rodas de leitura e sarau de poesia com poetas brasileiros e argentinos.
No plano acadêmico, a língua portuguesa assume importância crescente. Muitas universidades argentinas incluem o idioma em seus programas de estudo, reconhecendo seu valor para o desenvolvimento da investigação e do intercâmbio acadêmico. O conhecimento do português não só facilita o acesso à bibliografia, como também permite que estudantes e pesquisadores argentinos participem ativamente de conferências, seminários e projetos de estudos no Brasil e em outros países lusófonos. O português é uma língua muito útil em áreas de estudo como antropologia, sociologia, história e literatura, devido à rica produção intelectual nesse idioma. Seu domínio proporciona aos estudantes acesso a vasto conhecimento que amplia sua formação acadêmica e profissional. Isso enriquece o cenário acadêmico argentino, introduzindo novas perspectivas e abordagens que de outra forma poderiam ser limitadas pela barreira linguística.
No último mês de julho, o IGR firmou convênio de cooperação acadêmica com a UNIPE, instituição de ensino superior orientada à atividade pedagógica, que contempla o desenvolvimento de iniciativas relativas ao incentivo à pesquisa, em especial na área de alfabetização, bem como a cooperação para formação de docentes. Nas próximas semanas, a Universidad Torcuato Di Tella irá criar, com apoio do IGR, uma “cátedra Brasil”, que irá contribuir para multiplicar as oportunidades de interação e diálogo bilateral entre docentes e pesquisadores de nacionalidade brasileira e a comunidade acadêmica de Buenos Aires.
O Instituto tem, ainda, convênios firmados com importantes instituições argentinas e regionais para difusão do idioma português. Participam de cursos do IGR alunos do Instituto de Capacitación Parlamentaria, do Instituto de Políticas Públicas em Direitos Humanos do Mercosul, assim como os jovens diplomatas em treinamento pelo Instituto del Servicio Exterior de la Nación.
Em breve, terá início, ainda, programa piloto com a província de Mendoza para capacitação de agentes turísticos em noções de português. Esta iniciativa, da vertente do português para propósitos específicos, constitui a primeira de seu tipo fora da capital federal, ampliando a área de atuação do IGR e dando maior projeção a suas atividades.
Ainda na área de cooperação educacional, o Instituto coordena o Programa Leitorado Guimarães Rosa, que conta, desde 2023, com leitoras brasileiras na Escuela Normal Superior en Lenguas Vivas Sofía Esther Broquen de Spangenberg, também conhecida como Lengüitas, e na Universidad Nacional de Tres de Febrero. Em parceria com o IGR, as leitoras desenvolvem ações voltadas para a formação de docentes e na oferta de aulas de português, além de práticas específicas como estudos literários e cursos temáticos.
No campo econômico, o conhecimento de múltiplos idiomas é um ativo valioso no mercado de trabalho. Aprender português abre portas para oportunidades econômicas, especialmente no comércio e nos negócios com o Brasil. Em agosto, a Embaixada do Brasil lançou, em parceria com a Câmara de Comércio, Indústria e Serviços Argentino-Brasileira, o Grupo Brasil e o IGR, o Projeto Abrazar (2), plataforma virtual que irá conectar profissionais com conhecimento do idioma português com empresas que oferecem vagas de trabalho que requeiram o domínio do idioma.
O comércio bilateral entre Argentina e Brasil abrange uma ampla gama de setores, desde a indústria automotiva até a agricultura e serviços. Neste contexto, profissionais argentinos que falam português se posicionam melhor para negociar, fechar acordos e estabelecer relações comerciais frutíferas. O português é também uma língua relevante em outros mercados emergentes, como Angola e Moçambique, que oferecem oportunidades de negócios em sectores como mineração, energia e construção.
A forte presença de estudantes brasileiros na Argentina contribui para esse intercâmbio. Números da Secretaria de Educação registram mais de 22 mil universitários do Brasil que realizam seus estudos neste país, predominantemente na área de medicina, mas também em carreiras como relações internacionais, estudos latino-americanos e outros. Esse processo fortalece laços culturais, econômicos e até familiares, na medida em que muitos desses estudantes se radicam na Argentina após seus estudos.
As ações educacionais, as da área de economias criativas, as de promoção da língua portuguesa e a criação de oportunidades profissionais podem ser compreendidas como um ciclo que se retroalimenta. A formação de estudantes de língua portuguesa fomenta público interessado em cultura, literatura e música brasileira e amplia o número de potenciais intercambistas no Brasil, contribuindo para gerar novas perspectivas de integração regional e fortalecendo o desenvolvimento de Argentina e Brasil.
(1) GUSMÃO, C. A. Políticas de Integração entre o Português e o Espanhol no Contexto dos Países Integrantes do Mercosul. Revista Inventário, Salvador, n. 16, jan.- jul. 2015.
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