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Estratégias e Experiências de Letramento Linguístico-Cultural em Aulas de Fundamentos de Português

  • Foto del escritor: Federico Polastri
    Federico Polastri
  • hace 4 días
  • 8 Min. de lectura

Actualizado: hace 5 horas

As experiências que apresentaremos a seguir, desenvolvidas no âmbito da disciplina introdutória “Fundamentos da Língua Portuguesa” da nossa Licenciatura, visam demonstrar a relevância da leitura crítica e situada de questões de alta densidade social no Brasil. Para tal, o trabalho pedagógico é estruturado a partir da promoção e análise de diversos gêneros discursivos.

Estratégias e Experiências de Letramento Linguístico-Cultural em Aulas de Fundamentos de Português


Experiência 1


Neste artigo, o professor Federico Polastri apresenta o posicionamento teórico que norteará o trabalho linguístico do segundo semestre da disciplina. Essa fundamentação será elaborada a partir da análise de uma notícia de grande repercussão internacional: a megaoperação policial no Complexo do Alemão e da Penha, no Rio de Janeiro. Contudo, a análise da notícia ganha uma perspectiva diferenciada, pautada na abordagem e nas reflexões propostas pelo Instituto Sou da Paz.



Algumas considerações sobre a leitura de uma nota pública do Instituto Sou da Paz na educação superior


Por Federico Polastri*


Agradecimentos

Quero agradecer às colegas editoras da revista Lusofia, as professoras Maria Fernanda de Sousa Tomé e Graciela Vidal, por incentivarem constantemente a reflexão e produção de trabalhos diversos em um campo de indagações e de interesse no que concerne ao ensino de PLE na Argentina.


A professora Verônica Álvarez, que ajudou a conceber este trabalho.


Também a Yanina Ponce pelas ideias compartilhadas.


Um agradecimento especial para as minhas queridas alunas de Fundamentos da Língua Portuguesa Lucía Sánchez, Bibiana Ferreira e Sandra Ávalos, que sem hesitar, aceitaram elaborar comigo esta proposta.


Do outro lado, agradeço, pela amizade de tantos anos e por me ajudarem sempre que necessário a Antônio Barbosa e o professor Marcos Bagno.


  1. Apresentação

Nas páginas seguintes, procuro reconstruir o enquadramento de uma situação pedagógica de PLE desenvolvida ao longo do segundo quadrimestre de 2025, no âmbito da disciplina introdutória Fundamentos da Língua Portuguesa pertencente à estrutura curricular da Licenciatura no ENS em Línguas Vivas Sofía B. de Spangenberg, na qual integro a equipe docente junto com a professora Verónica Álvarez.


Como se verá, centro-me no que diz respeito à problemática da densa e extremamente complexa realidade social da sociedade brasileira contemporânea, em particular, nas assim denominadas “operações policiais” realizadas no Complexo do Alemão e da Penha, no Rio de Janeiro durante o mês de outubro de 2025. A partir delas, sugere-se a promoção da leitura dialogando de maneira crítica com certos gêneros discursivos da família dos gêneros jornalísticos de cunho informativo.


Em seguida, trabalha-se com outro gênero discursivo expositivo-argumentativo, uma nota pública do Instituto Sou da Paz intitulada “Megaoperação com mais de 120 mortos no RJ revela insistência em modelo ineficiente de segurança; ação vitimiza população e policiais sem desarticular de forma sustentável as organizações criminosas” (1), ONG que, na ótica de Bagno, é “uma das mais respeitadas no Brasil quando se trata da violência promovida pelo Estado” (Marcos Bagno, comunicação pessoal).


  1. Memória de uma experiência pedagógica

Com o intuito de incentivar leituras desafiadoras a partir de temas de interesse de nossas alunas e, por sua vez, promover uma discussão crítica com elas, prestamos especial atenção aos primeiros modos de nomear o ocorrido na mídia. Para tal, decidi montar um arquivo colaborativo online que recolhesse, de maneira exploratória, ao menos alguns modos de designação da situação que convulsionava a vida da cidade do Rio. Entre essas designações — no modo de nomear a realidade — pudemos observar junto com as alunas uma espécie de “continuum ideológico” (2) pelo qual diferentes meios de comunicação digitais referenciavam o fato por meio da seguinte cadeia de vocábulos:


* “megaoperação” (Agência Brasil) 

* “operação (de) contenção”  (CNN Brasil) 

* “intervenção policial” (Folha de São Paulo / Rádio BandNews FM?

* “confronto” (GLOBO) 

* “enfrentamento”  (Band?) 

* “massacre” (Estadão) 

* "chacina" (Brasil de Fato)

[...]


Entendendo a linguagem e a interação discursiva, nos termos de Voloshinov (1992[1924]), como “aquele sistema que não é um sistema abstrato de formas linguísticas, nem tampouco uma enunciação monológica e isolada” (3) (tradução nossa), refletimos demoradamente sobre cada uma das designações encontradas e sobre a configuração de sentidos que elas pressupunham, em termos de visões de mundo, na perspectiva do autor.


Depois disso, decorrido um período de algumas semanas, optei por retomar com o grupo de alunas a problemática em profundidade, dada a repercussão global que os fatos passaram a ter a partir da intervenção no espaço público pelo Instituto Sou da Paz e da já mencionada nota pública. Para mim, talvez o mais difícil, ao desenhar uma tarefa de leitura em função desse outro texto mais extenso e pertencente à família dos textos majoritariamente argumentativos, foi encontrar um equilíbrio adequado ao nível do grupo de alunas de uma disciplina introdutória como Fundamentos. Neste sentido, reconheço que teria sido substancialmente mais produtivo ter dedicado mais tempo das aulas à realização de exercícios de pré-avaliação, mesmo que o grupo de alunas contasse com meu acompanhamento no processo de ensino e aprendizagem autêntica. Nesse caso, vale a pena esclarecer que apenas conseguimos focar o trabalho de compreensão desse texto escrito em:


  • ativar os conhecimentos prévios das alunas;

  • estabelecer com clareza as intenções do comunicado (nota pública);

  • identificar aspectos próprios no nível da macroestrutura, tais como reconstruir a ideia principal assumida pelo Instituto Sou da Paz, na qual essa ONG repudiava a ação policial e a qualificava como ineficiente.


Por fim, já no final do recente quadrimestre, e com a generosa proposição para o envio de submissões no grupo de comunicação da licenciatura pelas editoras da revista institucional Lusofia, retomei a comunicação com o grupo de alunas, incentivando-as a seguir aprofundando esta problemática, para que cada uma delas elaborasse uma espécie de resenha híbrida, uma vez que lhes solicitei que incluíssem um último parágrafo, em que recolhessem a própria experiência de leitura de cada uma delas em torno desta situação pedagógica, em particular sobre o pronunciamento publicado pelo Instituto Sou da Paz em 28 de outubro de 2025.



Resenha de Bibiana Ferreira

O Instituto Sou da Paz publicou uma nota lamentando e criticando fortemente a megaoperação policial ocorrida nos Complexos do Alemão e da Penha, no Rio de Janeiro. O fato principal é que a operação resultou em mais de 120 mortes. A crítica do Instituto é que a estratégia de ocupação massiva para enfrentar o crime organizado é ineficiente e comprovadamente letal para a população. Nesse sentido, ela não ataca os elos centrais do crime, como o tráfico de drogas, a lavagem de dinheiro ou o abastecimento de armas. Além disso, segundo a nota do Instituto, gera uma espécie de fogo cruzado em áreas densamente habitadas, colocando em risco a vida de centenas de milhares de pessoas, especialmente a população de baixa renda e negra.


A nota pública do Instituto enfatiza também que o Brasil não está em guerra e não existe pena de morte. Com efeito, segundo a visão do Instituto, é urgente robustecer a prevenção e o enfrentamento qualificado do tráfico de armas. No que diz respeito ao combate real diz que são necessárias investigações profundas e o planejamento de operações focadas, em vez de tiroteios massivos .


O que aconteceu nos Complexos do Alemão e da Penha, no Rio de Janeiro?


  • O resultado da operação foi mais de 120 pessoas mortas.

  • Foi a operação mais violenta da história recente do Rio.

  • O crime organizado usa armas pesadas, até mesmo drones lança-granadas.


Qual é a crítica manifestada pelo Instituto Sou da Paz?

O Instituto diz que o modo de fazer essas grandes operações com muita força são, basicamente, historicamente ineficientes, além de muito perigosas para quem mora nas comunidades.

De modo que essa estratégia não resolve o problema do crime de verdade.


O que é sugerido?

Para que o combate ao crime funcione, sugere focar em políticas mais inteligentes: a) Lutar contra o tráfico de armas com prioridade; b) Fazer investigações profundas e operações muito bem planejadas, e não apenas tiroteios.


Reflexão sobre a experiência de leitura

Como aluna do professorado de português, foi um exercício muito bom para praticar o vocabulário do português brasileiro, especialmente em um tema tão importante. Por outro lado, foi triste ler sobre a extrema violência e a perda de tantas vidas no Rio de Janeiro. A nota pública do Instituto Sou da Paz usa uma linguagem direta, mas forte, o que a torna um material de estudo muito real e relevante para entender a cultura e os problemas sociais do país.


Resenha de Sandra Ávalos

Segundo o comunicado do Instituto Sou da Paz, a “megaoperação” do Rio de Janeiro deixou ver o problema da pouca planificação estadual e a desconsideração do direito de segurança. Certamente, como aponta o Instituto Sou da Paz em seu comunicado, é uma necessidade combater o crime organizado, mas essa ação deve proteger as pessoas. Muitos grupos vulneráveis deixam sua vida pela pouca planificação. Não apenas os moradores foram prejudicados, mas também aqueles que participaram da operação.


Ainda que essas operações fossem necessárias, conforme se pode entrever no comunicado, o Estado perdeu seu dever de proteção às pessoas vulneráveis e a seus cidadãos. 


Nesse sentido, devemos nos perguntar quais são as verdadeiras causas dessa situação, por que essa rede detém o controle territorial, entre outros? Na ausência do Estado, conforme o comunicado, o povo está sozinho, buscando soluções para seus problemas. Eles precisam de soluções, mesmo que pequenas e permanentes, tal como enfatiza o comunicado do Instituto, para que possam se sentir incluídos e parte da comunidade.


Sabe-se que para os habitantes das comunidades, a violência constitui a falta de proteção estadual, assim como a criminalidade. O Instituto Sou da Paz chama a atenção para a falta de integração de decisões entre os diferentes níveis de governo, o que acaba prejudicando os moradores dos Complexos do Alemão e da Penha. A sociedade precisa prestar atenção a este problema.


Reflexão sobre a experiência de leitura

Como aluna do professorado de português, o exercício da leitura e reflexão foi muito importante para conhecer a língua portuguesa  e praticar o vocabulário. Por outro lado, considero importante ler artigos sobre assuntos da atualidade, pois isso permite aprender sobre a sociedade, neste caso, a sociedade brasileira e seus problemas. Além disso, é muito triste saber que pessoas inocentes foram afetadas por decisões equivocadas tomadas por algumas autoridades.



Experiência 2

Maria da Penha

A estudante da Licenciatura na “ENS en Lenguas Vivas Sofía B. de Spangenberg”, Lucía Sánchez, realiza uma breve apresentação, a partir de uma das unidades trabalhadas na cátedra durante o mês de maio — mês em que, aliás, vale a pena enfatizar, é o assim chamado dia das mães no Brasil, convocando a memória da experiência traumática de Maria da Penha Fernandes. Temos, portanto, uma necessária oportunidade para continuar refletindo no espaço pedagógico sobre as múltiplas formas de violências registradas contra as mulheres (meninas, adolescentes e/ ou adultas): violências feminicidas, violências domésticas, violências sexuais (importunações e assédios), violências psicológicas, violências institucionais, por citar apenas algumas, que marcaram a vida da ativista pelos direitos das mulheres e

dissidências e que, no contexto atual, aqui e nos países da região, redundam em históricos episódios de violências, traduzíveis em experiências traumáticas por seus efeitos, consequências e prejuízos na vida de muitas mulheres. Como efeito de leitura, importante apontar, no trabalho de uma estudante que está em uma etapa inicial do Curso de Formação para Professores, o cruzamento de leituras, resultando na

construção de um texto de tom biográfico próprio.





  1. Ver texto completo do Instituto Sou da Paz aqui: https://soudapaz.org/noticias/megaoperacao-com-mais-de-60-mortos-no-rj-revela-insistencia-em-modelo-ineficiente-de-seguranca-acao-vitimiza-populacao-e-policiais-sem-desarticular-de-forma-sustentavel-as-organizacoes-criminosas/

  2. “En la ideología, los hombres expresan no su relación con sus condiciones de existencia sino la manera que viven su relación con sus condiciones de existencia: lo que supone a la vez una relación “real” y una relación “vivida”, “imaginaria". La ideología es, por lo tanto, la expresión de la relación de los hombres con su “mundo”, es decir, la unidad (sobredeterminada) de su relación real y de su relación imaginaria con sus condiciones de existencia reales.” Louis Althusser, en Lenguaje e Ideología, apunte de clase (material de aula), Lingüística Interdisciplinaria (cátedra Arnoux), UBA, 2015.

  3.  Voloshinov, V. (1992[1924]). El marxismo y la filosofía del lenguaje. Madrid: Alianza.


Foto de capa do artigo:

JONES, Adam. View over Complexo do Alemão (Favela) – From Igreja da Penha – Rio de Janeiro – Brazil – 01 [fotografia]. 2015. Creative Commons BY-SA 2.0. Disponível em: https://w.wiki/GbrU Acesso em: 12/12/2025.


*Federico Polastri é professor de Português pelo IES Lenguas Vivas “Juan Ramón Fernández”. Participou de projetos de pesquisa na UBA, USAL e UFU. Atua como docente no IES Lenguas Vivas "Sofía Esther Broquen de Spangenberg" e no campo de língua e literatura espanhola no ensino médio. Atualmente, cursa a etapa final da graduação em Letras na UBA, com orientação em sociolinguística e etnolinguística.



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