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Entre bibliotecas e sertões: experiências interculturais propostas pelo Leitorado Guimarães Rosa - Lenguitas

  • Foto del escritor: Alberto Varela
    Alberto Varela
  • hace 23 horas
  • 4 Min. de lectura

A seguir, publicamos duas contribuições de Alberto Varela sobre a participação nas atividades do Programa Leitorados Guimarães Rosa - Lenguitas em 2025. Esses textos, escritos em primeira pessoa, oferecem perspectivas vivenciais sobre práticas de leitura, interculturalidade e formação docente que dialogam diretamente com as propostas apresentadas pela Leitora Camila de Souza Santos no artigo anterior.

Veredas do Sertão em Buenos Aires


"Digo: o real não está na saída nem na chegada: ele  

se  dispõe para a gente é no meio da travessia."



Por Alberto Varela*


Guimarães Rosa, Grande Sertão: Veredas.


Há pouco tive a oportunidade de visitar a Biblioteca do Instituto Guimarães Rosa em Buenos Aires. Foi graças ao convite feito aos alunos pela Leitora desse Instituto, que tem sede no "Lengüitas", a Escola de Formação de Professores onde estou cursando a Licenciatura em Português.


À primeira vista pensei: “Ufa, mais uma biblioteca!”. Já visitei muitas, e a minha percepção delas foi mudando ao longo da vida. Do romantismo inicial — com o deslumbramento por livros desconhecidos e preciosos, tão alheios à minha realidade — até hoje, quando o universo da leitura parece desabar sobre mim, e não tenho a eternidade necessária para ler tudo o que desejo. Ah, quem a tivesse!


Mas, voltando ao assunto inicial, posso dizer que gostei muito da visita. 


Poderia encerrar assim o meu relato, mas acho que, se você chegou até aqui, não vai gostar de um final tão lacônico. Por isso, tomo a liberdade de continuar sem temer importuná-lo.


O que mais poderia pedir a uma biblioteca - e talvez o mais importante - quando vamos à procura de informação? Acolhimento, calor humano, e calor no inverno - Não suporto a ideia de congelar enquanto leio. Nesse dia, por sinal, era uma das tardes mais frias do inverno até então — claro, uma das primeiras — e a biblioteca nos ofereceu não só calor, mas também hospitalidade.


Fomos recebidos com muita atenção e conduzidos por diferentes áreas e salas, todas batizadas com nomes de autores brasileiros célebres. Não poderia ser de outra maneira. E, acima de todas, destacava-se o nome da própria biblioteca: Clarice Lispector - sim, a enigmática e genial Clarice.


Percorremos as salas e vimos as edições da Fundação Alexandre de Gusmão, uma fundação pública vinculada ao Ministério das Relações Exteriores, assim como o próprio Instituto. 


Observamos as obras disponíveis para a educação, especialmente para o ensino do português como língua estrangeira.


Foi ótimo conhecer as salas dedicadas a nomes tão marcantes como Cora Coralina, Rubem Braga, Machado de Assis, Ana Cristina Cesar, Érico Verissimo e Carlos Drummond de Andrade.


Enquanto caminhávamos pelo perímetro, às nossas costas ficavam, calados mas muito bem ordenados e classificados, as centenas de livros nas estantes - muitos deles carregando as marcas do tempo (e da umidade), e todos ansiosos por nos contar suas histórias. Incluindo as mais dolorosas, de isolamento e obscuridade, que viveram até praticamente hoje, quando foram devolvidos à vida nesta nova sede. Acredito que muitos deles ficaram felizes.


A última parte da visita foi particularmente emocionante. Numa sala mais ampla, nos reunimos para conhecer um pouco mais a respeito do nome que batiza o Instituto: o grande Guimarães Rosa. Ali, a Leitora nos presenteou com uma leitura muito especial.


Depois de vermos fotos do autor e de seu querido Sertão Mineiro, e de ouvirmos detalhes de sua biografia, escutamos atentamente a leitura do conto “Sorôco, Sua Mãe, Sua Filha”.


Ficamos tristes quando percebemos a profundidade e a dureza da história - a loucura visível ou invisível, e o maltrato institucionalizado contra os doentes, que conhecemos logo. Um retrato tão doloroso de uma realidade que é bem próxima no tempo.


Para levantar o ânimo e encerrar a visita, um café quentinho e um bolo foram muito bem-vindos.


Resta-me simplesmente agradecer às autoridades do Instituto pelo convite e, especialmente, a Camila de Souza Santos, Leitora do Instituto Guimarães Rosa na Escola Normal Superior en Lenguas Vivas Sofía E. B. de Spangenberg (Lengüitas).



A viagem ao Sertão numa agulha


"O Sertão é dentro da gente.”

(João Guimarães Rosa, em Grande Sertão: Veredas)


No dia sete de maio, tive a oportunidade de assistir à conversa “Tecer veredas entre as linhas do sertão”, pertencente ao ciclo “Minas Gerais: Outras Veredas nas Terras de Guimarães Rosa”, em caráter de estudante do Curso Superior de Formação de Professores de Português (L2) no "Lengüitas", na cidade de Buenos Aires.


Não é muito comum ter a possibilidade de dar uma olhada no mundo do Sertão com uma profundidade tão afastada do turismo em geral. Guimarães Rosa o expressou bem em suas linhas, de maneira transcendente, que tiram de nós o que os olhos não percebem sem terem sido treinados nas realidades e nas histórias nordestinas. E essa outra acepção de sua obra, esse bordado, permite ver a intrincada relação humana com o entorno de mistério, de bravura, de coragem que o Sertão é.


Gostei dessa atitude nessas pessoas, mulheres grandes - não apenas em idade, mas também em sonhos. Elas bordam. E bordam Guimarães. Não é pouca coisa! De suas mãos saem imagens simples e profundas ao mesmo tempo, que me lembram outras, e mais outras. O Brasil delas é um dos muitos Brasis enigmáticos, desafiadores, que enchem minha alma e meu coração.


Se eu tivesse a oportunidade, perguntar-lhes-ia muitas coisas: desde as técnicas até as cores, desde as escolhas de linhas temáticas até as expressões artísticas consultadas. Desde o amor pelo bordado até o amor pela vida.


Só posso dizer: muito obrigado pela oportunidade de ter olhado sua casa, seus trabalhos e suas almas.



*Alberto Varela


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