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Sintagmas Nominais e Responsabilidade Enunciativa: Francisca é inocente

A Profa. Eleonora Fernández desenvolve uma análise do conto "Francisca" do escritor brasileiro Rubem Fonseca. Faz uma abordagem gramatical, discursiva e cognitiva que possibilita a compreensão da construção lógica dos fatos narrados desenvolvida pelo autor. Este trabalho foi apresentado nas "XI Jornadas de Educación y Traducción", em 12 de setembro de 2023, no Lenguas Vivas Sofía B. de Spangenberg".

 
Sintagmas Nominais e Responsabilidade Enunciativa: Francisca é inocente

Por Eleonora P. Fernández*


1. Resumo


Este trabalho estuda os sintagmas nominais referenciais indefinidos (A. Castilho, 2010) com valor semântico generalizante, em um pequeno corpus literário contemporâneo. Serão analisados oito sintagmas no conto “Francisca” de Ela e outras mulheres (2006) do escritor brasileiro Rubem Fonseca. A abordagem abrange aspectos gramaticais (Cunha, C.; Cintra, L., 2008 e Perini, M., 2002), discursivos e cognitivos a efeitos de unir expressões linguísticas e situações discursivas e extra discursivas em uma versão significativa para o/a leitor.a do conto (Cf. a noção de espaços mentais de G. Fauconnier, 1984/1985, 1996, in A. Castilho, 2010). A hipótese de trabalho é que a utilização de sintagmas nominais referenciais indefinidos, permite à narradora Francisca justificar seus atos e suas eleições sem julgamento de sua vida, pelo fato de ser inserida em universos gerais e abrangentes nos quais todas as mulheres agem do mesmo modo.


Palavras-chave: sintagmas nominais referenciais indefinidos; valor generalizante; espaços mentais, conectores pragmáticos; argumentos pathos.


2. Quadro teórico


Segundo A. Castilho (2010), a sentença é a unidade que associa propriedades fonológicas (= dispõe de uma entoação), sintagmáticas (= é um conjunto de sintagmas), sintático-funcionais (= é um conjunto de argumentos e adjuntos), semânticas (= é um conjunto de papéis temáticos) e pragmáticas (= é um ato de fala).


A classe de palavra que nucleariza o sintagma lhe dá o nome. Assim, os sintagmas nominais (SN) que serão objeto do presente trabalho exemplificarão sua propriedade de “constituência”, organizando expressões dotadas de uma margem esquerda, um núcleo e uma margem direita, segundo o esquema seguinte:

Sn = (Especificadores) + Núcleo + (Complementadores)


Diremos então que o sintagma nominal é uma construção sintática que tem por núcleo um substantivo ou um pronome, o primeiro uma classe basicamente designadora, e o segundo uma classe dêitica/fórica/substituidora. Ao falarmos dos substantivos, palavras da terceira pessoa, os SN a estudar são aqueles que se usam para falar do mundo de referência ou da não-pessoa (Benveniste E., 2005).


Completam o esquema por um lado, os Especificadores, preenchidos por artigos, demonstrativos, possessivos e quantificadores ou expressões qualitativas e pelo outro, os Complementadores, tais como os sintagmas adjetivais, que funcionam como adjunto adnominal, os sintagmas preposicionais, que funcionam como complementos nominais, e as sentenças relativas.


Essa estrutura sintática pode manifestar-se com diferentes ocorrências: 1. Sintagma nominal simples, composto apenas pelo núcleo nominal ou pronominal; 2. Sintagma nominal composto pelo Especificador + núcleo; 3. Sintagma nominal composto por núcleo + Complementador e 4. Sintagma nominal máximo, em que seus três constituintes foram preenchidos.


Dentro desses sintagmas nominais, uma análise da classe de palavras resulta necessária para a afirmação da hipótese de trabalho e nesse sentido o foco recairá sobre os especificadores indefinidos e sobre os substantivos identificados pelos estudos morfológicos mais tradicionais (Cunha, C.; Cintra, L., 2008).


A análise não estaria completa se não abordássemos aspectos semânticos dos sintagmas nominais referenciais, uma vez que seu caráter generalizante permite situar o individual em conjuntos globais e provocar um efeito estilístico de anonimato e de desresponsabilizacão da protagonista do conto escolhido. Os substantivos serão classificados segundo os critérios da ± animacidade (± humano), da ± referencialidade, e da ± determinação do sujeito, para estabelecer justamente a indefinição do sujeito através dos universais. Contribuem na construção de um valor generalizante os artigos e os pronomes indefinidos, especialmente: um/uma e todo/toda (Cunha, C.; Cintra, L., 2008; Catilho, A., 2010; Perini, M., 2002).


Finalmente, este trabalho abordará os sintagmas nominais referenciais indefinidos com valor generalizante desde a dimensão discursiva proposta pelo conceito de espaço mental de Gilles Fauconnier, citado em Castilho (2010), quem argumenta que os significados podem ser descritos como a construção mental permanente de espaços, de elementos, de papéis e de relações no interior desses espaços, a partir de índices gramaticais e pragmáticos.


Neste entorno teórico, o universo clivado de Francisca ligará, mediante seus enunciados, sujeitos e objetos que propõem ao/à leitor.a um marco cognitivo no qual as mulheres casadas, os paraísos fiscais, os maridos canalhas que comem ovos e bacon, o choro, a felicidade e a morte, entre outras coisas, se reúnem logicamente para empatizar com o sofrimento de Francisca e para aceitar sua decisão sem julgá-la.

3. Análise do Corpus


Francisca


Francisca é uma mulher, de uns quarenta anos (os primeiros fios brancos apareceram em sua cabeça), atrapalhada num casal do qual ela quer sair. Quando consegue reunir as forças necessárias para afrontar seu marido e pedir-lhe o divórcio, ele castiga esse ato de rebelião com uma sanção econômica: Francisca não receberá nem pão duro, pois os contos bancários estão em um paraíso fiscal cuja existência ela ignorava. Se a violência econômica da qual ela é vítima não é suficiente castigo, dois eventos suplementares vêm se acrescentar. Por um lado, a listagem interminável de países onde pessoas inescrupulosas como seu marido escondem o dinheiro, que afasta mais ainda Francisca da metade da fortuna familiar, pois uma idiota como ela nunca conseguiria localizar o dinheiro. Pelo outro, esse último não de seu marido que lhe nega o dinheiro para o cabeleireiro. A compreensão de sua total dependência respeito de semelhante monstro, recheado de ovos, de bacon e de álcool a coloca em uma encruzilhada: livre pelo divórcio, mas pobre ou livre pela viuvez e herdeira de tudo. O devaneio transforma-se em decisão que acaba realizando seu sonho de liberação.


3.a. Seleção do corpus


Desde o começo, pode-se dizer que o universo de Francisca é organizado em dois bandos. Por um lado, temos a equipe das mulheres casadas. Pelo outro, a equipe dos maridos. Elas, vítimas. Eles, perpetradores. No meio, nosso conhecimento do mundo que age como conector pragmático (G. Fauconnier), desenhando a cena primigênia na qual as vítimas, que desprezam seus perpetradores, vão tentar sair da opressão, sem medir a gravidade da solução.


Este binarismo será representado por sete sentenças tiradas do conto, que dividem o corpus em duas partes. A sentença 8. (8. É fácil chorar se a pessoa está muito feliz) será analisada de maneira separada pois sintetiza a evolução de Francisca e coincide com o final do conto.


3.b. Primeira parte do corpus


Francisca identifica-se com o bando das mulheres casadas, apropriando-se de uma categoria que descreve sua situação pessoal/familiar e a define estruturalmente.


Eis aqui a primeira parte do corpus:


1. Não há mulher que não sonhe em matar o marido. (p. 45)


2. Como toda mulher casada, vivo tomando remédios aos montões para aliviar momentaneamente minha insuportável carga de frustrações, Valium, Dormonid, Lexotan, Rivotril, Rohypnol e um monte de outros. (p.47)


3. Não sei por que mulheres e veados gostam tanto de champanhe, essa merda borbulhante, ele disse. (p.47)


As sentenças 1. e 2. exprimem os pensamentos de Francisca que astutamente generaliza uma situação pessoal, tentando justificar desejos escuros e dificilmente confessáveis. Seu mundo funciona com uma lógica maniqueísta, identificando os maus e as boas e propondo como solução dos conflitos o mesmo esquema binário em termos de vida ou morte. Ela poderia fugir ou divorciar ou negociar. Nenhuma solução é aceitável. A única possibilidade é o crime, que chega ao/à leitor.a com a força do silogismo cartesiano:

Mulher casada é infeliz e sonha em matar o marido.

Francisca é casada.

Francisca é infeliz.

Francisca sonha em matar marido.

Em 1. (Não há mulher que não sonhe em matar o marido), observa-se um sintagma nominal, cujo núcleo é um substantivo (mulher), colocado à direita do verbo haver, em uma construção impessoal usada semanticamente para exprimir a existência (ou inexistência) de um fato e criar assim, em termos de Fauconnier, um espaço mental constituído, de um lado, por uma realidade no sentido extenso, na qual há ... relações, e de outro, um espaço de percepção do sujeito que pode, segundo as situações, corresponder ao que ele vê, ou pode tocar, ou pegar e, mais metaforicamente, ao que ele pode apreender, ao que ele pode compreender. (Fauconnier, 1984/1985: 191 in Castilho, 2010).


Para poder se fundir no anonimato do conjunto de mulheres, Francisca (em rigor, a narradora em primeira pessoa) produz a sentença citada, apresentando um sintagma nominal estruturado como segue:

(Especificadores) + Núcleo + (Complementadores).

zero + Nome + (que + oração)

comum, animado, humano, frase relativa, relação

contável, 3ra pessoa/feminino singular conjuncional de subordinação


O esquema sintático que antecede é preenchido pela presença da fórmula especificador zero + substantivo comum, animado, humano (feminino/singular) que equivale a declarar a existência de todas as mulheres do mundo, adquirindo assim o valor referencial generalizante. O complementador é preenchido por uma subordinada relativa adjetiva.


Em 2. (Como toda mulher casada, vivo tomando remédios aos montões para aliviar momentaneamente minha insuportável carga de frustrações, Valium, Dormonid, Lexotan, Rivotril, Rohypnol e um monte de outros), o universo das mulheres casadas é apresentado na oração subordinada adverbial comparativa, sintaticamente deslocada da principal, que provoca a ruptura da ordem direta e uma topicalização. O deslocamento da subordinada coloca o/a leitor.a no espaço mental necessário para compreender o uso que Francisca faz dos remédios. Novamente, a utilização da frase declarativa afirmativa fortalece a objetividade e o valor de verdade incontestável da sentença. Podemos novamente retomar o esquema do silogismo dedutivo:

Toda mulher casada toma montes de remédios para aliviar a insuportável carga de frustração da vida marital.

Francisca é mulher casada.

Francisca sente frustração.

Francisca toma Valium, Rivotril, Lexotan, etc.

Francisca é mulher casada, sente frustração e toma remédios.

A passagem do genérico para o específico é mostrado aqui pelo sintagma nominal referencial indefinido toda mulher casada que acaba encarnando no pronome reto eu, oculto mas presente no morfema sufixal {-o} da terminação verbal do verbo viver na oração principal (vivo tomando remédios...).

(Especificadores) + Núcleo + (Complementadores).

2. quantificador indefinido + Nome + adjunto adnominal

comum, animado, humano,

contável, 3ra. pessoa/singular


A sentença 3. (Não sei por que mulheres e veados gostam tanto de champanhe, essa merda borbulhante, ele disse) é pronunciada pelo marido de Francisca, que compartilha circunstâncias socioculturais com sua mulher, embora estejam em bandos opostos. O sintagma nominal que nos interessa funciona como sujeito da oração subordinada substantiva objetiva: Não sei isso = por que mulheres e veados.... Do ponto de vista da generalização, a narradora utiliza substantivos comuns, animados, humanos, contáveis, exprimidos em terceira pessoa do plural. O número é marca suficiente para representar a universalidade e produzir a afirmação categórica segundo a qual todas as mulheres e todos os veados (do mundo) gostam do champanhe. O esquema sintático apresenta a seguinte estrutura:

(Especificadores) + Núcleo + (Complementadores).

3. zero + Nomes + zero

comuns, animados, humanos,

contáveis, em 3ra pessoa/plural, coordenados pela conjunção “e”


Diremos que o marido de Francisca compartilha com sua mulher o mesmo olhar maniqueísta sobre mulheres e homens, mulheres casadas e maridos, mas acrescenta outros universos ao incluir, em um mesmo grupo, as mulheres e os veados pelos quais exprime o mesmo preconceito e desprezo. O ponto comum dessas duas categorias é o gosto pelo champanhe, uma bebida criticada por ser borbulhante, o que pode ser lido como feminina demais. O conto todo trabalha sobre a desqualificação do feminino: no caso das mulheres, por sua própria natureza e, no caso dos veados, por serem homens diminuídos e desrespeitados na sua masculinidade, incapazes de satisfazerem uma mulher que acaba procurando outro homem, um homem verdadeiro, um homem como o marido de Francisca.


Com este primeiro grupo de sentenças analisadas, observamos que os sintagmas nominais indefinidos em português podem veicular valor generalizante através dos seguintes procedimentos gramaticais:


a. Uso de substantivo comum, animado, humano, contável, em terceira pessoa do singular, sem determinante.


b. Uso de substantivo, comum, animado, humano, contável, em terceira pessoa do singular, precedido de determinante indefinido.


c. Uso de substantivo, comum, animado, humano, contável, em terceira pessoa do plural, sem determinante.


3.c. Segunda parte do corpus


A segunda parte do corpus que analisaremos aborda a categoria “marido”, da perspectiva de Francisca. Eis aqui a segunda parte do corpus:


4. Fiquei olhando ele comer os seus ovos com bacon, todo marido canalha come ovos com bacon (p.45).


5. A gente se vinga de um marido desses não é tirando dinheiro de sua carteira nem inventando falsas despesas de mercado nem arranjando um amante como todas fazem (p.45).


6. Um marido desses tem que ser morto (p.46).


7. E como se mata um marido? Veneno? Tiro? Facada? (p.47).


Observamos em 4. um período composto constituído por duas orações (Cunha, C.; Cintra, L. (2008). Na segunda oração, organizada conforme a ordem direta, o sintagma nominal se organiza como segue:

(Especificadores) + Núcleo + (Complementadores).

4. quantificador indefinido + Nome + adjunto adnominal

comum, animado, humano,

contável, 3ra. pessoa/masculino singular


O núcleo do SN é um substantivo comum, animado, humano em singular precedido pelo quantificador indefinido todo, que evoca a quantificação universal de um conjunto global equivalente a todos os maridos do mundo, cada um dos maridos do mundo. Por outro lado, a oração afirmativa opera como uma sentença moral cujo efeito humorístico reside na criação de um espaço mental onde certas comidas têm relação direta com a moral das pessoas.


As sentenças 5. 6. e 7. apresentam sintagmas nominais referenciais cujos núcleos estão preenchidos pelo mesmo substantivo comum, animado, humano em singular (marido) precedido, no papel de especificador, pelo artigo indefinido um. Vejamos a estrutura sintática dos sintagmas:

(Especificadores) + Núcleo + (Complementadores)

5. e 6. quantificador indefinido + Nome + adjunto prepositivo

comum, animado, humano, preposição de + pronome

contável, 3ra. pessoa/singular demonstrativo

(masculino, plural)


Do ponto de vista semântico, nas sentenças 5. e 6., um permite distinguir uma individualidade de um conjunto global e, ao mesmo tempo, aplicar a regra a qualquer um que se reconheça nessa categoria. Poderíamos parafrasear do modo seguinte:

• Um marido desses

• Um marido desse tipo,

• Um marido do tipo do marido de Francisca

• Qualquer marido do conjunto global de maridos que equivale ao marido de Francisca

• Qualquer marido canalha como o marido de Francisca

• Maridos desses

• Todo marido


As sentenças 5. e 6. são produzidas por Francisca na procura de justificação de seus atos, tentando obter a empatia de um.a leitor.a (argumentos pathos) que ficará comovido.a frente a tanta dor, injustiça e infelicidade. Francisca diz: “o marido que eu tenho é um canalha, mas maridos assim existem e você pode ser a próxima vítima. Por isso, deve.m ser morto.s”.


A sentença 7. preanuncia o final. A estrutura sintática do sintagma nominal referencial é mais lacônica ainda:

(Especificadores) + Núcleo + (Complementadores)

7. quantificador indefinido + Nome + zero

comum, animado, humano,

contável, 3ra. pessoa/singular


A ausência do complementador extrai o marido individual da classe mais global como em 5. e 6., pois ao ter afirmado que esse tipo de maridos merecem morrer, em 7., só é questão da escolha do melhor método para matá-lo. O uso do indefinido, do substantivo singular e a modalidade interrogativa produzem uma abstração que fazem da resposta um manual de uso, assimilável as instruções para fazer um bolo de chocolate ou armar um móvel.


Com este segundo e último grupo de sentenças analisadas, observamos que os sintagmas nominais indefinidos em português também podem transmitir valor generalizante através dos seguintes procedimentos gramaticais:


d. Uso de substantivo comum, animado, humano, contável, em terceira pessoa do singular, precedido de quantificador indefinido.


e. Uso de substantivo, comum, animado, humano, contável, em terceira pessoa do singular, precedido de quantificador indefinido e seguido de complemento prepositivo com valor adjetival.


3.d. Sentença 8 do corpus


8. É fácil chorar se a pessoa está muito feliz (p.48).

O sintagma nominal que analisaremos aqui integra uma oração subordinada conjuntiva condicional. O esquema sintático é o seguinte:

(Especificadores) + Núcleo + (Complementadores)

8. artigo definido + Nome + zero

comum, animado, humano,

contável, 3ra. pessoa/singular


Pela primeira vez, aparece um especificador definido para exprimir a generalidade. Nos casos prévios, a indefinição era o motor da universalização. Entretanto, em 8., o conjunto global estará aportado pelo núcleo do sintagma. Pessoa é um substantivo comum, animado, humano em singular, que funciona como hiperônimo de todos os outros substantivos que foram mencionados: mulher, marido. Daí sua generalização favorecida pelo uso do número singular que retoma um estilo mantido persistentemente no conto. Falar aqui de pessoa cria um novo espaço mental que dá conta da evolução de Francisca. De mulher dependente, casada, frustrada, sem dinheiro, desprezada e ameaçada passa a pessoa que chora de felicidade.


A autonomização de Francisca é contundente e essa qualidade de pessoa a inclui em um conjunto sem perder sua individualidade. Há uma dupla dimensão da pessoa que a revela em duas emoções profundamente humanas como o choro e a felicidade.


Em 8., o sintagma nominal referencial alcança sua máxima expressão generalizante expressando com seus constituintes a universalidade humana.

4. Considerações finais


Temos apresentado 8 sentenças do conto Francisca de Rubem Fonseca que contêm sintagmas nominais referencias, designadores da terceira pessoa, com valor generalizante. Os núcleos desses sintagmas são preenchidos por substantivos comuns, animados, humanos em singular ou plural que referem a conjuntos globais com os quais Francisca alterna entre pertença (mulher, pessoa) e não pertença (marido) para se colocar no mundo. O esquema sintático em torno aos núcleos pode ser completado com a presença de especificadores, geralmente indefinidos para cimentar a universalidade das sentenças, e também de complementadores que qualificam os núcleos aportando precisões. O uso de substantivos animados, humanos funciona como guarda-chuva dos pensamentos e dos atos de Francisca que é uma mulher casada, vítima das mesmas frustações de todas as outras mulheres casadas, que são desprezadas por maridos como o seu. O universo maniqueísta fica instalado e a construção argumentativa do conto leva o/a leitor.a, através de orações afirmativas, à profunda compreensão de Francisca e a aceitação dos ovos e do bacon como indiscutível fonte de imoralidade . Mulher é boa. Marido é mau. Marido assim deve morrer. Isso é o que acontece: a heroína Francisca se reconhece finalmente como pessoa e mata e chora e é feliz. Como julgá-la se todas e todos, todo mundo tem vivido a satisfação de ter feito justiça alguma vez?


O conto acaba com uma sentença afirmativa, impessoal, que apresenta o único especificador definido do corpus e que faz dela uma verdade geral: a pessoa feliz chora. Não há possibilidade de debate. A verdade geral não se julga. A verdade geral se aceita. O/A leitor.a está pronto.a para dar seu veredicto: Francisca é inocente.



 

5. Referências bibliográficas


Aulas de Gramática da Língua Portuguesa dadas pela professora Daniela Peez Klein, durante o primeiro quadrimestre de 2023, em IES en Lenguas Vivas "Juan Ramón Fernández".


Benveniste, É. Problemas de linguística geral. 5 ed. Campinas, SP: Pontes, 2005. Cunha, C.; Cintra, L. (2008). Nova Gramática do Português Contemporâneo. Lexikon.


Castilho, A. T (2010). Nova gramática do português brasileiro. Contexto.


Fauconnier, G. (1984/1985, 1996), in Castilho, A. (2010). Nova gramática do português brasileiro. Contexto.


Fonseca, R. (2006) Francisca in Ela e outras mulheres. Companhia das letras.


Perini, M. (2002). Gramática descritiva do português. Ática.

 

Sobre a autora

Eleonora Paula Fernández é Professora Nacional de Francês (INES L.V. Juan R. Fernández), Tradutora Pública Juramentada de Francês e Advogada (UBA). É coordenadora do Departamento de Francês do Tradutorado Público (UBA), trabalha como docente no nível de ensino superior e como tradutora e intérprete de conferências para várias organizações e instituições nacionais e internacionais. Atualmente é aluna do Curso Superior de Formação de Professores e do Tradutorado literário, científico e técnico em Português (INES L.V. Juan R. Fernández).




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