Fernanda Ricardo Campos, Leitora Brasileira na Universidade de Buenos Aires, apresenta e nos convida a participar do projeto Bate-Papo Linguístico. Um valioso espaço de reflexão que contribui para a formação e o desenvolvimento dos professores do português como língua estrangeira.
Bate-Papo Linguístico
Por Fernanda Ricardo Campos
Leitora Brasileira na Universidad de Buenos Aires
O Programa Leitorado é parte das políticas públicas de difusão da língua e cultura brasileiras no exterior. É desenvolvido pelo Ministério das Relações Exteriores em parceria com a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
Os Leitores são profissionais da área de Letras que atuam em instituições de ensino superior estrangeiras promovendo o ensino da vertente brasileira da língua portuguesa, da cultura, da literatura e de outros estudos brasileiros. Atualmente, existem mais de 40 Leitorados, sendo um deles o da Argentina, apoiado gentilmente pela Universidad de Buenos Aires (UBA).
Além de difundir língua e cultura, os leitores também têm como missão identificar, em seu país de atuação, possíveis demandas oriundas do público-alvo do Programa Leitorado. Nesse sentido, o cenário argentino trabalha com várias frentes de atuação: (i) ofertando o português como língua estrangeira em cursos livres; (ii) ofertando o português como segunda língua nos ensinos básico e médio; e, o mais importante, (iii) formando professores de português em instituições de ensino superior.
Pensando em fomentar as políticas linguísticas relacionadas à promoção do português, o Leitorado da UBA deu início, em 2021, ao projeto Bate-Papo Linguístico, em que professores universitários brasileiros atuantes nas mais diversas áreas da linguística, da literatura e da docência são convidados a discorrer sobre temas que colaboram, direta ou indiretamente, com o trabalho dos professores do português como língua estrangeira. Nos encontros, as falas expositivas se mesclam com a participação dos alunos (daí o nome Bate-Papo Linguístico) e, assim, promove-se um espaço de discussão e reflexão que contribui, de forma despretensiosa, para a formação complementar desses profissionais.
No Bate-Papo Linguístico, realizam-se encontros ao vivo na plataforma Zoom. As palestras são gratuitas e de livre acesso ao público, bastando aos participantes o preenchimento de um formulário de presença para que recebam seu certificado digital. Posteriormente, os vídeos dos encontros são disponibilizados no canal oficial do Programa Leitorado UBA no YouTube, com visualização pública a qualquer
interessado.
A primeira edição do evento aconteceu entre outubro e novembro de 2021 e totalizou quatro encontros. Cada palestra se organizou em uma dinâmica simples: passado o momento de acolhida e de apresentação dos presentes, o professor convidado dispunha de 30 a 40 minutos para expor o seu tema e, em seguida, os participantes tinham esse mesmo tempo para fazer comentários e perguntas, em um bate-papo descontraído.
Primeiro encontro: O convidado foi o Prof. Leandro Rodrigues Alves Diniz, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que proferiu a palestra “‘Proposta Curricular para Ensino de Português nas Unidades da Rede de Ensino do Itamaraty em Países de Língua Oficial Espanhola’: princípios teóricos, estruturação e operacionalização em materiais didáticos”. O Professor apresentou a proposta que deu nome ao encontro, analisou a sua estruturação para a oferta de cursos de português como língua adicional e discorreu sobre o seu importante papel como referencial teórico-metodológico para a difusão do português entre hispanofalantes.
Segundo encontro: Conduzido pela Prof.ª Alcione Gonçalves, do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG), o tema discutido foi sociolinguística, com a palestra “As variações linguísticas no português brasileiro: um breve histórico”. A Professora apresentou um compêndio de variações linguísticas e comentou processos de mudança na variante brasileira, atentando para suas diferenças em relação português europeu – diferenças estas que, além de fonéticas e lexicais, também podem ser morfológicas e sintáticas, conforme demonstram pesquisas recentes.
Terceiro encontro: A Prof.ª Rafaela Pascoal Coelho, que à época era doutoranda no CEFET-MG, apresentou a palestra “O atendimento linguístico a estudantes migrantes na educação básica”, em que apontou aspectos do atendimento linguístico, na educação básica brasileira, a estudantes migrantes, como o acesso à escola, o perfil de tais estudantes e as relações destes com suas línguas maternas e com o português. Mostrou, ainda, possíveis ações de acolhimento que seriam significativas, dadas as características desse público.
Quarto encontro: A Prof.ª Natália Tosatti, do CEFET-MG, proferiu a palestra “Integrando habilidade e agindo em língua portuguesa: o desenvolvimento das habilidades de leitura, compreensão oral e produção escrita por meio de tarefas do exame Celpe-Bras”, em que aprofundou conhecimentos sobre o exame proficiência em língua portuguesa que deu nome à palestra. A Professora discutiu o conceito do exame, que propõe aos examinandos tarefas que integram habilidades e exigem agência e autonomia no uso da língua portuguesa, também demonstrou, a partir de tarefas mais recentes, como o exame é estruturado e operacionalizado, enfatizando aspectos que precisam ser mobilizados pelo examinando para resolver de maneira eficiente as situações propostas.
A segunda edição do Bate-Papo Linguístico foi realizada entre abril e junho de 2022 e totalizou cinco encontros. As palestras seguiram a mesma dinâmica da edição anterior.
Primeiro encontro: A convidada foi a Prof.ª Denise Queiroz Novaes, da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas), que apresentou a palestra “Língua/cultura: como trabalhar com esse eixo em turmas heterogêneas”. Discutiu-se a importância da valorização da cultura do aprendiz e de sua língua materna durante a aquisição de uma segunda língua e foram apontados alguns fatores que afetam esse processo. A Professora também analisou contextos de ensino e sugeriu vários materiais didáticos estratégicos.
Segundo encontro: Com a participação da Prof.ª Ev’Ângela Barros e do doutorando Giliard Dutra Brandão (ambos da PUC-Minas), a palestra teve como tema “Desafios da preparação de material didático para ensino de Português como Língua Estrangeira (PLE)”. Os professores destacaram os desafios do trabalho docente com estudantes estrangeiros em contexto de imersão em turmas heterogêneas (com diferentes nacionalidades, diferentes interesses pelo aprendizado do português brasileiro, diferentes experiências prévias, traços culturais distintos, demandas específicas na aprendizagem da língua, entre outras).
Terceiro encontro: A Prof.ª Valquíria Carvalho, da PUC-Minas, discutiu a decolonialidade e as especificidades do bilinguismo, definindo comunidade de fala, relação entre Estado e língua, língua oficial, língua nacional, língua de fronteira, língua de herança, língua estrangeira, segunda língua, língua adicional, língua de acolhimento e outros conceitos também importantes, como língua autóctone e língua alóctone.
Quarto encontro: O Bate-Papo Linguístico recebeu as Professoras Sandra Cavalcante e Sandra Militão (ambas da PUC-Minas), que compartilharam informações sobre a crise humanitária global de migração e apresentaram os princípios teóricos e metodológicos gerais implicados na experiência de ensino-aprendizagem do português como língua de acolhimento no Brasil. Além disso, comentaram os princípios pedagógicos assumidos no Ler, projeto de extensão universitária de natureza transdisciplinar da PUC-Minas, que visa à interação e à emancipação social de crianças, jovens e adultos em situação de refúgio e migração na sociedade brasileira.
Quinto encontro: A Prof.ª Juliana Assia e o Prof. Celso Fraga (ambos da PUC-Minas) apresentaram contribuições para as práticas de ensino-aprendizagem do português como segunda língua. Os professores propuseram reflexões sobre representações sociais dos aprendizes acerca da aprendizagem de língua estrangeiras e seus potenciais impactos no processo.
Para a realização das duas primeiras edições do Bate-Papo Linguístico, o Leitorado trabalhou junto à Cátedra Libre de Estudios Brasileños da Universidad de Buenos Aires (FFYL-UBA) e ao Setor Educacional da Embaixada do Brasil em Buenos Aires. Na primeira edição, também contou com o apoio de professores da Secretaria de Relações Internacionais do CEFET-MG. Na segunda edição, teve a colaboração do Centro de Estudos Luso-Afro-Brasileiros, vinculado à PUC-Minas e ao Instituto Camões, do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal.
O público participante de ambas as edições se originava de contextos geográficos diversos. Contamos com a presença de várias universidades das províncias argentinas de Buenos Aires, Córdoba, Entre Ríos, Jujuy, La Pampa, Misiones, Rosario, Santa Fé e Tucumán. Vários participantes brasileiros, principalmente das regiões Sudeste, Norte e Nordeste, além da participação de países limítrofes como Uruguai e Paraguai.
O Bate-Papo Linguístico foi pensado a partir de conversas informais em que docentes atuantes na Argentina se mostravam inquietos com uma “lacuna” em seu processo de formação continuada, e por isso almejavam participar de atividades que os colocassem em contato com pesquisas atuais e projetos de docência da língua portuguesa pensados por professores brasileiros. Ou seja, o Bate-Papo surgiu de uma demanda apurada informalmente em meio a conversas despretensiosas entre profissionais da área, sem uma pesquisa prévia controlada.
Na primeira e segunda edições, portanto, os professores convidados e os temas dos encontros foram muito diversificados; todas as pesquisas e os projetos apresentados pelos palestrantes foram bem-vindos. Apesar dessa liberdade temática, em todos os encontros os assuntos apresentados foram envolventes para os participantes e provocaram interessantes debates.
Mesmo assim, após ambos os eventos, o Leitorado da UBA fez um levantamento de comentários e avaliações por parte dos professores participantes, com o objetivo de qualificar suas experiências no projeto. Com esses dados, abriu-se uma brecha para fazer ponderações e melhorias no Bate-Papo Linguístico. Indagações começaram a ser feitas: Os debates trouxeram algo de novo? Surgiram novos entendimentos e percepções? Como seria possível tratar dos mesmos temas sob novas perspectivas? A experiência dos professores adquirida ao longo dos anos se desenvolveu? Os estudantes do Professorado tinham algo a dizer, a pesquisar?
Dessa forma, tendo em vista as discussões oriundas das primeiras edições e sempre buscando alcançar resultados os mais satisfatórios, o Bate-Papo Linguístico foi repensado. Era necessário se expandir e ouvir os principais sujeitos interessados no projeto: os profissionais de Letras que trabalham no contexto da Argentina e de países vizinhos.
Por esse motivo, a terceira edição do Bate-papo Linguístico, a ser realizada no mês de outubro 2022, terá como carro-chefe o tema “Experiências argentinas e países limítrofes” e levantará a grande questão de descobrir o significado de ensinar português em contextos diversos, com o objetivo de conhecer a realidade argentina e encorajar cada vez mais os estudos linguísticos como práticas científicas efetivas. Espera-se que tal mudança agracie o Leitorado Brasileiro com a valiosa oportunidade de conhecer as demandas dos professores de distintas localidades, contribuir, de alguma forma, com esses profissionais e estudantes em formação; e seguir cooperando com o propósito maior da extensão universitária: articular o ensino, a pesquisa e a práxis.
A programação completa da 3ª edição está disponível no link: https://linktr.ee/ProgramaLeitoradoUBA
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
FARACO, Carlos Alberto. O papel das instituições formadoras do professor de português. Educar em Revista, [S.l.], v. 4, n. 4, jun. 1985, p. 147-158. ISSN 1984-0411. Disponível em: <https://revistas.ufpr.br/educar/article/view/36141>. Acesso em: 30 abr. 2022.
VARGAS, Natasha Susmaga; AZEVEDO, Isabel Cristina Michelan de. O ensino de português brasileiro na Argentina sob uma perspectiva intercultural. Signótica, Goiânia, v. 32, 2020.
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