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  • Estudantes de Língua Portuguesa 3 e 4

Conversando com as histórias: entrevista à narradora madeirense Sofia Maul


No mês de maio de 2017 a contadora de histórias madeirense Sofia Maul visitou o Instituto Camões em Buenos Aires. Naquela oportunidade, estudantes e docentes de Língua Portuguesa 3 e 4 do curso de Formação de Professores de Português da ENS Lenguas Vivas "Sofía B. de Spangenberg" realizaram a presente entrevista com o propósito de conhecer melhor a arte da narração na voz de uma verdadeira contadora de histórias!

Sofia Maul contando histórias em Buenos Aires
 

Conversando com as histórias: entrevista à narradora madeirense Sofia Maul

Nascida na Ilha da Madeira, formou-se como tradutora e terapeuta da fala, mas hoje se dedica a contar histórias. Sua riqueza de linguagem corporal transmite emoção e liberdade. O que inicialmente visava ser uma entrevista com uma narradora, acabou sendo um encontro acolhedor de narração. Um privilégio. Uma história. Um livro de contos.


Após a entrevista, sofia deleitou a audiência com duas histórias que tratam de dois temas que ela considera marcantes: a família e a confiança. Agradecemos muito sua presença e as maravilhosas narrações que compartilhou.


Foi um momento de muita fluidez. Sofia falou abertamente da sua paixão por contar histórias e soube expor suas ideias com clareza. Ela se define como uma “contadora de histórias”.


Conhecemos Sofia Maul em uma noite de contos no Instituto Camões de Buenos Aires. Antes da apresentação, tivemos a sorte de bater um papo com ela. Na ocasião da entrevista, a Sofia nos provocou uma enorme vontade de “quero mais”, devido ao seu jeito descontraído, sincero, dinâmico e simples de responder a cada pergunta. Ao ser nossa primeira entrevista, nossas expectativas foram as melhores.


 

A entrevista

Estudantes de Língua Portuguesa 3 - Prof. Luis Serrate

Deise Costa

Miriam Melian

Estudantes de Língua Portuguesa 4 - Prof. Ignacio Spina

Amanda Zitzke

Ana Clara Garritano

Eliana Orellana

Jesica Firus

Leda Ferreira

Maria Eugenia Ecay

Pamela Mambelli

Steffanya da Cruz



Sofia, do que você gosta mais? De ouvir histórias ou de ler um livro para depois contar as histórias que ele relata?

São coisas bastante diferentes. Hoje em dia é muito mais fácil encontrar as histórias escritas, é muito mais difícil encontrar quem conte, ainda mais quem conte a tradição oral que não esteja ainda nos livros. Eu faço este trabalho na Madeira, um trabalho de escolha em comunidades rurais tentamos descobrir quem é o que conta, quando se juntam nas suas orações. Quem é o que conta? Para tentarmos recuperar estas histórias que muitas vezes não estão escritas em lado nenhum, são versões muito específicas, ainda por cima condições ultra específicas, mas para responder esta pergunta teria que ir um pouco atrás no meu percurso porque os meus avós não contavam, eles liam, eles sabiam muitas histórias que liam de cor, mas as história deles eram lidas, não eram da tradição oral, eram os clássicos, eram os velhos contos de fadas inglês, eram os contos daquelas divindades nórdicas, dos vikings, dos trolls, era ali uma grande mistura, todas elas vinham dos livros e eu comecei através dos livros. O que aconteceu foi que descobri depois disso, a importância de encher mais livros, basicamente tentar preservar a cultura que se está por ir, que os velhinhos vão morrendo e é preciso registrá-los, é urgente porque eu estou a morrer e eu sei que na Madeira há contos maravilhosos que não estão registrados ainda e farei tudo para conseguir registrá-los porque esta é uma riqueza, e que nesses contos está toda a história da ilha e que aquela ilha que é um ponto no meio do atlântico, mas passarão centenas de povos diferentes por ali e deixarão cada um a sua marca, cada um o seu pedaço de história. Temos uma cinderela montada num burrinho, temos histórias das Moras, histórias que vieram com os escravos, histórias que vieram com os mercadores ingleses que passaram e que ficaram ali, é uma riqueza muito grande e muito diversa, e é maravilhoso andar à procura e a descoberta.



A literatura, a narração e a língua em contextos interculturais. Que elementos considera na hora de planejar sua participação em um encontro de narração?

Há muita coisa em jogo. Primeiro que tudo, penso em quem é que vai escutar e quais serão os contos que serão interessantes para esse público. Para já adequados, porque tenho que olhar para as idades e ver quais são os contos que seriam adequados mesmo, porque tem contos que são só para adultos e tem contos que são muito mais para crianças. Portanto, vou olhar primeiro para as idades. Depois para o tamanho da audiência, porque se eu tenho uma audiência mais pequena posso fazer uma coisa mais mais intimista, enquanto que quando é um público muito grande tenho que fazer uma coisa muito mais vibrante, muito mais com um espectro maior. Mas isso são tudo detalhes. Eu tento o máximo possível contar coisas que sejam da minha vida, da vida da minha ilha, da história da minha ilha e da tradição da minha ilha (Ilha da Madeira). Mas depois, como a minha ilha teve muitas influências, porque é uma ilha no meio do Atlântico e então, teve muitos povos a passar por ali, a parar ali, a sair dali - e portanto, tem influências muito diversas - então, também vou buscar para fazer os paralelos com os contos que vêm dali.




Você gosta de contar histórias desde sua infância com seus avós? Sempre teve admiração pela narração?

Os meus avós contavam histórias, mas eu sabia que eram histórias de livros. Também eram da vida deles, mas eram principalmente histórias que eu sabia que vinham de livros. E eu sabia que a preocupação deles era que eu amasse os livros. Estavam a cultivar a minha relação com os livros. Só mais tarde na adolescência é que começa a ser mais importante para mim perguntar sobre a história de vida da minha família. Porque a nossa família é toda misturada e teve várias histórias interessantes de ouvir. Como foram bater histórias de sítios tão longínquos numa pequena ilha no meio do Atlântico? Mas, eu só entro em contato com a narração cerca de 17 anos. Portanto, já era bem grandita! Eu não sabia que isso existia. Para mim era minha família a que era louca e contava histórias e que isso era uma coisa normal... nas nossas mesas de jantar haver esta troca. E eu achava que era uma coisa nossa, não sabia que mais gente fazia isso. E então, quando eu percebo que há mais gente a fazer isso fui atrás para ouvir mais.




Que dificuldades você encontra quando você vai contar histórias para públicos para outra língua?

Não está a falar com a pessoa certa, porque eu tenho muita sorte! Eu tenho muita, muita, muita, muita sorte, para já porque fui educada com várias línguas, portanto tenho alguma plasticidade - ainda por cima em línguas de origem diferente: germânica e latina. Eu trabalhei de formação: terapeuta da fala - como se diz aqui, "fonoaudióloga". Portanto, o meu primeiro trabalho foi a trabalhar com uma escola de surdos. Portanto, tem também língua gestual. E também trabalhei mímica e em clown. E portanto, eu fiz tudo! Tudo! Vale tudo! E é impressionante: hoje de manhã, eu estava a contar para um grupo de alunos de português que tinham ou três ou quatro anos de português, mas eram de uma escola bilíngue, e foi impressionante eu ouvir-me a mim mesma dizer: “Mas, Sofia, por que é que estás a falar português com uma entoação argentina?" Inconscientemente eu faço tudo para que me entendam. Tudo. Tudo que for possível. É impressionante, mas isso é uma coisa de personalidade minha mesmo. Eu faço muito espelho de quem está à minha frente. Se falo com vocês, vocês têm muito mais o português do Brasil e então, eu começo “Não, Sofia, não! Tens que falar português de Portugal!" porque começo logo a querer falar igual a vocês! É engraçado! Mas isso é de feitio, mesmo!



E você poderia contar alguma experiência contando histórias para o público de outras nacionalidades?

A única que eu tive de outra nacionalidade mais longínqua, mais diferente, foi contando histórias na Polônia. Mas era um público universitário e portanto tinham algum inglês. Mas eu fiquei a pingar... a pingar! E estava frio, era tipo abril. Só que eu fiquei a pingar, porque eu falava inglês, mas falava super devagar, usava gestos, usava o corpo todo, tudo o que fosse preciso para que me entendessem. Só que o que é engraçado é que as pessoas veem essa entrega e reconhecem, e por isso também fazem um esforço bastante maior, e portanto também aceitam melhor. É bonito ver a relação que se estabelece numa procura de "eu estou a observar a minha história, para que vocês vejam se nesta história há alguma coisa da vossa história". E nesta troca é uma magia que acontece.



Qual foi o maior desafio para contar histórias em contextos de encontro com diversas culturas?

Já tive situações que eu não quis ir por questões culturais. Mas eu estou muito habituada à multiculturalidade e aceitação, portanto qualquer coisa que seja contra isso, eu reajo muito muito mal. Eu reajo, mesmo, muito mal e então eu não quero expor a isso, em condições onde sei que não vou ter abertura para dizer o que eu quero dizer. Aí, não exponho. Não exponho. Se eu sentir que há uma frestazinha de uma janela aberta, tudo bem. Eu vou cautelosamente e tento dizer o que quero dizer da forma como querem ouvir. Mas a questão para mim é muito de respeito. Eu conto muito para que as pessoas voltem a escutar. Escutar-se umas às outras. E quando eu sei que é uma situação artificial, em que isso não está na equação, não consigo.



Você faz alguma pesquisa da cultura das pessoas nos encontros de narração em que participa?

Eu faço alguma só para perceber se podemos encontrar alguns pontos de atrito ou não. Mas não é assim uma coisa… Eu prefiro sentir isso quando chego lá com a conversa com as pessoas, sentir o feedback das pessoas mesmo.



Qual é a história fundamental para o desenvolvimento humano e qual o tipo de história que deixa marcas nas crianças, nos adolescentes e nos adultos?

Eu acho que todas as histórias têm a possibilidade de nos marcar, de nos mudar e de nos fazer crescer. As que eu acho mais importantes para cada um, para mim, são as histórias de vida da família, da comunidade e a da humanidade. Mas eu acho que é muito importante nós sabermos de onde vimos e essas histórias todas que foram necessárias para chegar a nós, a nossa história e essas são a base para nos conseguirmos construir, para saber quem somos, para saber para onde vamos, temos que saber de onde vimos.



Poderia contar suas primeiras experiências como narradora? Ficou nervosa?

Muito, muito! E ainda fico! Eu consegui dar a volta no momento em que uma amiga minha disse assim “mas, Sofia, o que tu vais fazer é de uma generosidade imensa! O que tu vais fazer é um gesto enorme!”


 

Material multimídia

A seguir, compartilhamos um material multimídia que recupera alguns fragmentos da conversa com a Sofia.











































































































































































































































































































































































































































































































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