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  • Cristina Zambra

Crenças de professores argentinos em formação no processo de ensino/aprendizagem de PLE


Este estudo colabora para a discussão em torno de crenças de professores em formação sobre o processo de ensino/aprendizagem de PLE (Português Língua Estrangeira), analisando e promovendo a prática reflexiva de um Curso de Formação Superior de Professores de Português em um IES (Instituo de Ensino Superior) localizado em São Salvador de Jujuy, Província de Jujuy, Argentina. De natureza aplicada, investigou-se alunos pertencentes aos 3º e 4º anos do Curso de Formação Superior de Professores de Português com os objetivos de identificar, descrever e caracterizar suas crenças em processo de formação docente, a partir do estudo do conhecimento, metodologias e estratégias utilizadas, resultando na elaboração de três categorias temáticas de análise.


Palavras-chave: Ensino/Aprendizagem de PLE; Crenças; Prática Reflexiva.

 

Crenças de professores argentinos em formação no processo de ensino / aprendizagem de PLE

Promovendo a prática reflexiva

Por Cristina Zambra [1]


Introdução


Este artigo é resultado de uma dissertação de mestrado que estudou as crenças de professores em formação no processo de Ensino/Aprendizagem de Português Língua Estrangeira, a partir da identificação e análise do conhecimento, metodologias e estratégias ensinadas pelos mesmos, promovendo a prática reflexiva. Investigaram-se as inquietudes que preocupam esses futuros profissionais, o que eles pensam que deve ser levado em consideração para ensinar e aprender o português em países onde essa língua não é a oficial. O objetivo principal desse estudo foi identificar diferentes crenças de professores em formação de um IES (Instituto de Educação Superior) que tem a responsabilidade de oferecer e orientar os futuros docentes através de uma base educacional didática e pedagógica, preparando-os dessa forma para os desafios da carreira e posteriormente iniciação como professores de Português Língua Estrangeira.


As investigações sobre crenças no processo de ensino/aprendizagem de línguas inicialmente procuravam provar que o aprendiz deveria seguir um pensamento lógico e estático, inseridos em um conjunto de tipos de crenças determinadas, as quais eram ou apropriadas ou errôneas. John Dewey, filósofo e pedagogo americano, foi um dos primeiros investigadores a chamar a atenção para a capacidade de pensar dos alunos. Acreditava que para o sucesso do processo educativo, bastava um grupo de pessoas se comunicando e trocando ideias, sentimentos e experiências sobre suas práticas vivenciadas no dia a dia. Segundo o autor, o aprendizado de algo se dava quando os alunos eram colocados diante de problemas reais e tinham que saber resolvê-los eficazmente.


Há diferentes termos e definições sobre crenças em relação à aprendizagem de línguas atualmente, entre tantas, vamos aludir à definição de Ferreira Barcelos (2001), que parece muito apropriada para o nosso trabalho, afirmando que crenças são “Ideias, opiniões e pressupostos que alunos e professores têm a respeito dos processos de ensino/aprendizagem de línguas e que os mesmos formulam a partir de suas próprias experiências” (p. 72). É importante comentar que através do estudo sobre as crenças do professor em formação de Português Língua Estrangeira, possibilitou-se dar um novo sentido à prática pedagógica, contextualizar novas circunstâncias e ressignificar a atuação do professor de línguas.


Sobre a formação de professores, é correto afirmar que é um processo de ensino/aprendizagem, de transformação e construção de conhecimentos do aluno para a profissão docente. Os alunos em formação, muitos deles, já ingressam ao curso com algumas crenças de como e o que deve ensinar o professor de Português Língua Estrangeira (doravante PLE) aos aprendizes. Durante todo o percurso estudado, os aprendizes ou reafirmam seus conhecimentos anteriores e constroem novos ou seguem a velha maneira de ensinar estatizada. A formação do professor em geral é fator imprescindível para que a escola ou qualquer outra instituição formadora de saberes consiga alcançar melhores resultados, uma vez que o professor deva adotar em sua prática cotidiana uma postura que auxiliará o aluno no desenvolvimento de um processo reflexivo.


Formar professores eficientes e conscientes de seu papel na sociedade e que pratiquem a ação de ensinar exige competências e práticas orientadas ao desenvolvimento pedagógico, didático e social, respeitando o aluno e suas necessidades educacionais. “... a formação de professores destaca-se como um tema crucial, e sem dúvida, uma das mais importantes dentre as políticas públicas da educação” (MEC, 2002, p. 26). Os anos 80 e 90 no Brasil foram décadas marcantes no processo de reconhecimento e valorização da profissão de docente, já que a partir desse período os sindicatos de professores de todo o país se organizaram para reivindicar melhores salários e melhores condições de trabalho, ocorrendo com mais intensidade nos dias de hoje.


Em uma recente entrevista para um portal online[2], o educador português António da Nóvoa (2016), reconhecido internacionalmente por suas ideias e pesquisas no campo da educação, e que há muitos anos acompanha os avanços do sistema educacional brasileiro, relata que a aprendizagem só é aprendizagem quando para o aluno algo faz sentido. O papel do professor é detectar quando o que deve ser aprendido pelo discente faz sentido para ele ou não. Afirma que um dos grandes problemas para desenvolver um sistema de qualidade é a formação dos professores brasileiros: no Brasil, os professores são formados com muita coisa teórica, muita coisa desconectada, e pouquíssimo foco no trabalho docente ... Isso tem levado a professores com muitos compromissos - políticos, sociais, com o bem-estar social da criança -mas com pouco compromisso com a aprendizagem, que deveria ser o foco”.



Ensino e Aprendizagem de PLE na Argentina


Entendendo a importância da inserção de línguas estrangeiras na Argentina, é que na década de 60 já se tomava as primeiras iniciativas para modificar radicalmente a estrutura da educação no país e no início do século XX houve diversas decisões políticas e sociais para que a mesma se modernizasse. Umas das primeiras línguas estrangeiras oferecidas nas escolas de ensino médio e de formação docente foram a inglesa e a francesa. Nas décadas de 20 e 30, na Escola Normal em Línguas Vivas se criou o curso de formação superior de professores de alemão, castelhano, francês e italiano. Em relação à formação docente em PLE, Sosa (2010) descreve o momento do ano de 1930 em que os governos do Brasil e Argentina assinaram acordos de cooperação cultural e a criação em ambos países de instituições para a difusão da cultura de um país no outro. No ano de 1942 se criou a Lei Nº 12.766/42 que promoveu a obrigatoriedade da oferta do ensino de PLE no sistema educacional argentino para os alunos do 5º ano.


A autora considera que no ano de 2002, ano posterior a uma das maiores crises social e econômica já vivida pelos argentinos, houve uma significativa redução do interesse em estudar o português nos institutos de formação superior do país. Para a autora, essa redução de matrículas deveu-se à falta de expectativas e iniciativas em relação ao futuro do português, já que em vários anos de luta em prol da inclusão da língua não houve resultados satisfatórios para que se viabilizasse o seu estudo no sistema educacional da Argentina. Apesar disso, o ensino e aprendizagem do português vem aumentando significativamente nas últimas décadas. Para Pozzo (2009), depois da reforma educacional de 1993, a partir da sanção da Lei Federal da Educação, substituiu-se o estudo do francês pelo estudo do português porque já não era viável conhecer uma língua tão longe da realidade do país e cresciam consideravelmente intercâmbios econômicos, culturais e turísticos com o Brasil coroados com a criação do Mercosul em 1991.


Muitas pesquisas foram desenvolvidas com o objetivo de investigar aspectos linguísticos, culturais e históricos que envolvessem as línguas-irmãs: a portuguesa e a espanhola. Maia (2002), por exemplo, investiga a problemática que se instaurou no Curso de Formação Superior de Professores de Português de uma universidade nacional na Argentina por causa do portunhol utilizado pelos alunos, estudou a dificuldade e as diferenças dos dois sistemas linguísticos envolvidos, o português brasileiro e o espanhol, procurando definir o lugar do portunhol no contexto sociolinguístico regional. O trabalho descreveu, analisou e caracterizou o português falado dos alunos do curso de formação superior em Português provenientes da zona de fronteira.


A aprendizagem de uma língua estrangeira abre o espírito para outras culturas e oferece uma cosmovisão diferente. Além disso, permite desenvolver um pensamento mais flexível e uma estrutura mental mais diversificada. Significa dizer que o conhecimento de uma ou mais línguas estrangeiras aumenta a possibilidade de uma inserção no mundo laboral, por isso, sua aprendizagem resulta essencial na formação das pessoas. A integração da Argentina no contexto do Mercosul, estabelece o ensino e a aprendizagem do português como língua estrangeira. A democratização do seu ensino responde às exigências de um mundo contemporâneo que assiste a um duplo processo: o da globalização e o da regionalização.


O interesse em aprender a língua portuguesa em países da América do Sul, principalmente a Argentina, vem crescendo consideravelmente nos últimos anos. O português brasileiro é o mais aprendido e estudado devido à proximidade do Brasil com vários países de fala hispânica que fazem fronteira com suas terras, gerando principalmente a curiosidade de aprender sobre a cultura, história, gastronomia brasileira, além, é claro, dos aspectos gramaticais e sociolinguísticos. Apesar de o idioma não ser o mais utilizado no mundo, está na sexta posição, é representado por usuários nos cinco continentes, dando importância visível ao que podemos chamar uma língua delicada. Em quinze anos, o português será a segunda língua mais falada na Europa e na Argentina o português brasileiro já é quase tão importante como o inglês, devido à proximidade que há entre os dois países, e também pela grande empatia que a Argentina demonstra pela cultura, culinária, história e turismo do Brasil.



As Crenças na Formação dos Professores em Língua Estrangeira


O estudo sobre crenças na área de ensino e aprendizagem de línguas teve seu início nos anos 80 quando alguns investigadores linguísticos se perguntavam se o que as pessoas pensavam tinha relação com a aprendizagem. Nesse campo, se destacam Wenden (1987) e também Horwitz (1985, 1987) que elaborou um instrumento de identificação de crenças na aprendizagem de línguas que chamou de Inventário de Crenças sobre Aprendizagem (BALLI)[3]. Horwitz primeiramente trabalhou com questionários fechados para a identificação de crenças, muitas vezes eram consideradas errôneas porque ignorava as perspectivas do aluno. Já num segundo momento, as crenças eram relacionadas com estratégias de aprendizagens e dessa forma as classificavam e tinham noção descritiva. O terceiro momento se deu quando houve a necessidade de maior pluralidade de metodologia e de percepções sobre como fazer pesquisa a respeito das crenças, investigando o contexto, a identidade e uso de diferentes teorias sócias, históricas e culturais.


Sobre essa terceira e importante etapa de investigação sobre crenças, Ferreira Barcelos (2006) define o que seja para ela esse conceito:


entendo crenças, de maneira semelhante a DEWEY (1933), como uma forma de ensinamento, como construções da realidade, maneira de ver e perceber o mundo e seus fenômenos, co-construídas em nossas experiências e resultantes de um processo interativo de interpretação e (re)significação. Como tal, crenças são sociais (mas também individuais), dinâmicas, contextuais e paradoxais. (pp. 18).


A autora foi uma das pioneiras no Brasil em estudar a relação que há entre as crenças, a cultura de aprender, identidade, contexto e sociedade, orientando, dessa forma, o nosso estudo a partir dos conceitos apresentados por ela. Em um estudo mais recente, delineou um perfil diferente da natureza das crenças, constatando que são dinâmicas, emergentes, socialmente construídas e situadas contextualmente, são também experienciais, mediadas, paradoxais e contraditórias, relacionadas à ação de uma maneira indireta e complexa e não tão facilmente distintas do conhecimento (Ferreira Barcelos & Kalaja, 2003, p. 233).


De acordo com Fernandes Soares & Bejarano (2008), as crenças são livres, portanto não precisam de comprovações e tampouco que sejam aceitas por todos. As mesmas são “(...) opiniões acerca do estado objetivo do mundo. Aquilo em que as pessoas creem pode ser verdadeiro ou não, mas geralmente o que interessa aqui é o que a pessoa pensa ser verdadeiro” (Moreira, 2003, p. 33, citado por Fernandes Soares & Bejarano, 2008). Por isso, não podemos avaliar e corrigir as crenças, considerando o sentido, se estão bem elaboradas ou se fazem parte de uma pedagogia para entender a língua.


Ensinar uma língua requer uma busca constante do “novo” para as mudanças que ocorrem no tempo, pois ela se realiza em uso nas práticas sociais, nas quais os sujeitos agem e constroem opiniões a partir das experimentações vividas. Da Silva Roseira & Novelli Coradim (2014) definem com bastante exatidão que crenças são:


como opiniões e entendimentos formados a partir de nossas experiências, interação com o outro e o contexto em que estamos inseridos, sobre um determinado assunto que não dispomos de um conhecimento certo, ou seja, é por meio delas que nos sentimos seguros para nos posicionar criticamente ou não sobre um determinado assunto” (pp. 7).


No Brasil, a pesquisa em crenças teve início nos anos 90, mais precisamente a partir do estudo de Ferreira Barcelos (1995) que investigou as crenças de alunos do curso de Letras – Inglês em relação ao aprendizado dessa língua estrangeira. O conceito de crenças tem a ver com o que é construído socialmente e entre os indivíduos a partir de opiniões, conhecimento e experiências adquiridos antes, durante e depois de ingressar em um curso superior para a docência. Pajares (1992, citado por Manzan Perine, 2012) afirma que “as crenças que os professores trazem consigo para a sala de aula são em parte fruto de sua memória, de suas observações, ao longo de sua trajetória como aluno e posteriormente como professor” (p. 373).


Borg (2003) utiliza o termo teacher cognitions para referir-se à cognição dos professores em relação ao que eles pensam, acreditam e sabem quando estão em contato com a língua que ensinam. O termo “cognição de professores” está intrínsicamente relacionado com as crenças de professores, o que significa dizer que há uma interligação entre os níveis de cognições (opinião, conhecimento, crenças construídas ao longo das experiências de vida) e a prática pedagógica. Esclarece que o processo de cognição carece de melhores investigações porque “as cognições de professores emergem consistentemente como uma influência poderosa em sua prática”[4].


Em relação à prática pedagógica, o professor deve refletir sobre suas crenças e experiências no sentido de como as mesmas podem atuar no seu dia a dia como docente. Sobre isso, Conceição (2004), em sua pesquisa doutoral, afirma que a formação de professores deve:


Levar, não só os professores, mas também nossos alunos a refletirem a respeito de suas experiências anteriores de aprendizagem e a maneira como essas crenças influenciam suas ações, buscando, numa ação conjunta, entre professores e alunos, adaptar a situação de ensino às necessidades, anseios e interesses dos alunos (pp. 78).


As crenças estão presentes durante toda a nossa vida e por isso elas são de cunho sociocultural (Vygotsky, 1984), pois acredita-se que a aprendizagem é construída de forma social, com os alunos, com o professor, dentro de uma sociedade. Considerando os preceitos socioculturais, Logue Dias (2013), argumenta que é muito importante que as crenças sejam trabalhadas na formação inicial e continuada dos professores, pois “estando ciente das influências das crenças, é possível despertar o caráter reflexivo e crítico do profissional” (p. 03). Acrescenta ainda que as divergências entre a teoria e a prática provocam repetições de ações na vida profissional porque as crenças dos docentes não foram trabalhadas na base da formação inicial, que segundo a autora é um momento intensamente formativo, por isso devem ser trabalhadas quando o docente inicie a sua prática pedagógica.



A Prática Reflexiva na Aprendizagem de Língua Estrangeira


A prática reflexiva é um processo que se relaciona com a aprendizagem e significa aprender mais que um sistema de signos e que esses signos carreguem significados culturais. A função do professor é extremamente importante, pois no momento em que ele compreende o papel hegemônico das línguas nas relações internacionais, existe a possibilidade de levar a aprendizagem de línguas a funcionar na formação de "contra-discursos", que lutam pela igualdade entre grupos sociais. A proposta é, a partir de uma visão sócio interacional, discutir a questão do ensino de língua estrangeira no sentido de ressignificá-lo, apresentando uma proposta que substitua a dualidade "nós X eles", "nativo X estrangeiro", que de certa forma enquadra as pessoas em uma de suas muitas dimensões culturais, por um enfoque no processo social da enunciação.


O relatado acima leva a formar seres humanos, cidadãos conscientes, agentes de mudança social. Nesse sentido, o profissional do ensino de línguas precisa investir na formação continuada e refletir sobre o "ser professor de língua estrangeira". Sendo assim, uma atitude reflexiva requer um sujeito crítico e consciente, capaz de construir sua metodologia ou atividades metodológicas para implementar sua prática e, com isso, buscar atingir seus objetivos e os objetivos do aluno, conduzindo-o à autonomia. A análise da própria prática pedagógica aponta para novas formas de conceber o ensino e a aprendizagem e que, portanto, esse processo de reflexão necessita ser um processo constante na vida do professor que se depara, a cada novo curso dado e a cada novo aluno integrado, com situações diversas de ensino e aprendizagem.


Refletir sobre as práticas de ensino é pensar as estratégias para garantir um aprendizado eficaz ao aprendiz. A formação de professores e a prática pedagógica vêm sendo discutidos por educadores como Dewey (1959), Schön (1995) e Pimenta (2002). Dewey dizia que “a reflexão, (...) baseia-se na vontade, no pensamento, em atitudes de questionamento e curiosidade, na busca da verdade e da justiça” (apud Finardi & Dalvi, 2013, p. 116). Para o autor, refletir é um modo especializado de pensar sobre a prática e sobre o que se acredita que é verdade, pois existem maneiras de pensar que são melhores que outras, considera a reflexão parte fundamental do processo de desenvolvimento educativo. A forma de pensar do nosso cotidiano é diferente da forma do pensar reflexivo, esse último, próprio do ato de ensinar.


Schön (1995) desenvolve a chamada teoria do professor reflexivo e de acordo com o investigador, se dá a partir de uma série de momentos combinados numa prática de ensino. Primeiramente descreve o momento de surpresa, quando um professor reflexivo permite-se ser surpreendido pelo que o aluno faz; o segundo momento é o de refletir sobre aquilo que o aluno disse ou fez e simultaneamente procura compreender as razões de sua surpresa e depois, num terceiro momento, reformula o problema suscitado pela situação. E por último, efetua uma experiência para testar ou provar a sua nova hipótese sobre a situação apresentada. Sua proposta se baseava em três ideias principais: o “conhecimento na ação”, a “reflexão na ação” e a “reflexão sobre a reflexão na ação” (Santos, 2008).



Metodologia


Para que possamos discutir as crenças apresentadas, além do questionário com perguntas fechadas utilizado (tipo Likert Scale), foi preciso aplicar também uma entrevista semiestruturada, a partir de um roteiro de perguntas elaborado exclusivamente para a pesquisa, com o objetivo de compreender e interpretar determinados comportamentos, a opinião e as expectativas dos sujeitos do estudo. Escolhemos realizar a investigação em um Instituto de Formação Superior de Professores de Português de nível técnico superior (com duração de 4 anos) de um Instituto de Educação Superior da Província de Jujuy, Argentina. Entendemos que o ensino e aprendizagem de PLE em um ambiente escolar ou país onde o português não é a língua materna ou a oficial, gera desafios em relação às estratégias e os aspectos culturais e principalmente didáticos envolvidos.


Em relação aos sujeitos da investigação, foram escolhidos oito alunos do Curso de Formação Superior de Professores de Português, sendo quatro deles do 3º ano e os outros quatro do 4º e último ano de estudo do curso. A seleção se deu a partir de observações em sala de aula em duas disciplinas: Língua e Linguística III e Prática e Residência (estágio), focalizando-nos em selecionar alunos com níveis de aprendizagem diferentes na língua portuguesa, sem determos em nenhum aspecto linguístico em específico. Esses aprendizes deveriam estar cursando o 3º e 4º anos do Curso de Formação Superior de Professores de Português porque acreditamos que já nessa etapa de quase conclusão do curso técnico, os mesmos refletiram em algum momento do estudo sobre sua prática docente e sobre o ensino e a aprendizagem de PLE.


A abordagem utilizada e aplicada nesta investigação, de acordo com Ferreira Barcelos (2001) será predominantemente metacognitiva, por entender que as crenças dos alunos-participantes “são investigadas através de entrevistas, dando ao aluno mais chances de usarem suas próprias palavras e de contarem suas próprias estórias” (p. 83). Os estudos a partir dessa abordagem consideram as crenças como conhecimento metacognitivo, ou seja, duradouro e falível. Leva-se a crer que este tipo de abordagem dá ao investigador possibilidades de interpretações diferentes e diagnósticos com informações importantes sobre as crenças identificadas, pode também apresentar semelhanças com a normativa porque as crenças são vistas muitas vezes como empecilho a uma determinada visão de aprendizagem.



Resultados


Optamos por mostrar os dados coletados e discuti-los através de três categorias temáticas de análise que se dividem em categoria sobre o conhecimento, sobre a metodologia de ensino e categoria sobre as estratégias de ensino, todas relacionadas às crenças de professores em formação sobre o ensino/aprendizagem de PLE. As respostas obtidas de acordo com as perguntas e afirmações desenvolvidas a partir do questionário aplicado nos ajudaram a identificar e a diagnosticar as crenças dos alunos-docentes e também nos permitiram refletir acerca da didática aplicada em sala de aula, das dificuldades de aprendizagem e acerca da discussão de conceitos de ensinar e aprender.


Figura 1 – Categorias Temáticas de Análise


Categoria Conhecimento


Esta primeira categoria aclara as questões da língua portuguesa que dizem respeito ao conhecimento prévio dos alunos, suas expectativas como estudantes do Curso de Formação Superior de Professores de Português e futuros professores da língua, suas ideias e opiniões sobre aprendizagem de PLE em um ambiente artificialmente preparado para o trabalho de formação docente em uma língua estrangeira. O conhecimento cultural, social e histórico ganha espaço na construção do ser-aluno-professor que aos poucos vai desenvolvendo a capacidade de refletir sobre a prática docente.


Levando em consideração as experiências prévias que faz o aluno aceitar ou rechaçar um determinado conceito, podendo trazer à tona a forma de conceber a língua portuguesa quanto a sua aprendizagem, é que se elaborou uma questão envolvendo ideias sobre ensino/aprendizagem do português como língua estrangeira no questionário aplicado aos alunos.



Gráfico 1: Resultados obtidos na aplicação do questionário sobre Conhecimento


Categoria Metodologia de Ensino


Esta segunda categoria se reporta às crenças utilizadas pelos alunos sujeitos em formação docente no processo de ensino/aprendizagem em relação às metodologias identificadas. A questão didática e pedagógica está relacionada com os aspectos organizativos e de controle da aprendizagem dos estudantes. Dessa forma, discutimos as competências necessárias que o professor deve contemplar e as dificuldades e as responsabilidades de aprendizagem de uma língua estrangeira.



Gráfico 2 – Resultado obtido na aplicação do questionário sobre Metodologia de Ensino


Categoria Estratégias de Ensino


Esta última categoria identificada diz respeito às estratégias para ensinar uma língua estrangeira, considerando as metas de aprendizagem como um instrumento de gestão curricular de apoio ao trabalho dos professores com seus alunos. Na prática docente, cada meta ou objetivo requer, ao longo do processo de ensino, a construção de numerosas estratégias e a sua articulação e até reorientação de acordo com os contextos dos alunos e com vista à efetiva consecução da meta. Discutimos questões relacionadas c om formas de aprender a língua portuguesa, aspectos semelhantes entre português e espanhol, a pronúncia autêntica na língua, experiências em países que a falam, dentre outros.



Gráfico 3: Resultados obtidos na aplicação do questionário de Crenças sobre as Estratégias de Ensino


Discussão


Tratamos de realizar um estudo comprometido, autêntico e interessante que contribua de alguma maneira para as áreas da educação e do ensino/aprendizagem de línguas estrangeiras em contextos artificiais. As crenças identificadas nos professores em formação sobre o ensino/aprendizagem de português língua estrangeira foram cuidadosamente explicadas a partir do contexto em que os alunos sujeitos estavam inseridos. Muitas delas têm relação principalmente com as experiências vivenciadas como aluno do Curso de Formação Superior de Professores de Português que estão associadas à forma de metodologia, trabalho e formação docente que o IES investigado oportuniza aos seus cursos técnicos superiores. Outras ainda faziam alusão ao cotidiano, às experiências de vida e ao conhecimento prévio de saberes do aluno.


As crenças refletidas e trabalhadas com os alunos sujeitos da nossa pesquisa foram escolhidas em base ao ensino e aprendizagem de uma língua estrangeira. Pudemos perceber que a maioria das crenças identificadas estavam presentes no cotidiano dos aprendizes, tanto como experiências de vida e pessoais como experiências vivenciadas através do contato com o aprendizado do português em sala de aula. Isso mostra claramente que a dificuldade no processo de aquisição da língua não passa diretamente pelo desconhecimento e ignorância em relação às questões sobre crenças que cada aluno possui, mas sim, passa principalmente pelos fatores acadêmicos, didáticos, organizacionais e estruturais, os quais dificultam e às vezes paralisam o desenvolvimento da aprendizagem do português como língua estrangeira.


Podemos afirmar que a prática reflexiva e a participação crítica devem ser orientação prioritária na formação de professores. Além disso, as competências profissionais precisam ser situadas claramente para além do domínio acadêmico dos saberes a ensinar, é preciso que elas abarquem sua transposição didática em aula, a organização do trabalho de apropriação, a avaliação, a diferenciação do ensino. Portanto, a prática reflexiva e a participação crítica dos professores em formação não poderiam se apresentar como pedaços enxertados, e nem mesmo como andares acrescidos ao edifício das competências. São, ao contrário, fios condutores do conjunto da formação, das atitudes que deveriam ser adotadas, visadas e desenvolvidas pelo conjunto dos formadores e da unidade de formação, no caso o Curso de Formação Superior de Professores de Português. Se não houver responsabilidade de ambas as partes no processo de profissionalização e do oficio do professor, dificilmente haverá resultados positivos que qualifiquem a metodologia de ensino e aprendizagem da língua estrangeira.


Contudo, o desafio de ser um professorado que abarque os aspectos da língua de forma comprometida, e então podemos somar aqui o trabalho com as crenças dos alunos em formação docente, exige atuação de professores responsáveis e conscientes de seu papel dentro da sala de aula e na relação com os alunos. Dessa forma, o aprendiz deixa de ser um recebedor de informação para se tornar um construtor de seu próprio conhecimento a partir de um contexto artificial e heterogêneo de aprendizagem do português. Não resta a menor dúvida que os problemas didáticos e pedagógicos detectados no Curso de Formação Superior de Professores de Português têm referência ao aspecto da transformação da postura do professor e o que ele representa na vida acadêmica de seus alunos.


A prática reflexiva é fundamental para se tornar um bom professor. Ela deve ser trabalhada e pensada de forma desarticulada e crítica, com responsabilidade no processo de formação do docente. Os alunos em formação do Curso de Formação Superior de Professores de Português devem ser conscientes de sua ação no mundo da educação e por isso desenvolver uma prática reflexiva que envolva os protagonistas do ensino e aprendizagem de línguas: o professor e o aluno. É possível perceber nesse estudo que os alunos em formação acadêmica e didática não estão preparados suficientemente para serem futuramente professores de português, seja referindo-nos aos aspectos da língua, seja às bases e concepções da formação de um professor. Refletir acarreta olhar para dentro de algo, ou para dentro de si e designa um exercício interior que demanda consciência, vontade e razão.


Nossa pesquisa se limitou a analisar as crenças dos alunos em formação docente no que se refere ao ensino e aprendizagem de português língua estrangeira. Para futuras pesquisas na área é de fundamental importância que se investigue a Instituição de Ensino, incluindo sua estrutura, os professores do curso técnico superior em português, suas experiências com a língua, bem como a grade curricular do curso, as ementas, etc. Há motivos de sobra para trabalhar e estudar a língua em todos os aspectos linguísticos, didáticos e pedagógicos. Precisamos entender como se constrói a relação professor-aluno, através do conhecimento, das estratégias e da metodologia utilizada no processo de ensinar e aprender uma língua estrangeira.

 

Referencial


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[1] Mestre em Educação com Especialidade em Formação de Professores pela Universidade Europeia do Atlântico (UNIATLÂNTICO) em colaboração com a Fundação Universitária Íbero-america (FUNIBER)


[2] Portal A tarde.com.br. Categoria MUITO. Texto: É na escola pública que se ganha ou se perde um país, por Eron Rezende. http://atarde.uol.com.br/muito/noticias/1789023-novoa-e-na-escola-publica-que-se-ganha-ou-se-perde-um-pais


[3] No original: Beliefs About Language Learning Inventory – BALLI (Horwitz, 1987, p. 120) [4] Do original: “Teachers’ cognitions, though, emerge consistently as a powerful influence on their practices.” (Borg, 2003, p. 11)







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