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Foto del escritorCamila de Souza Santos

O eu de lá

Camila de Souza Santos, Leitora na "ENS en Lenguas Vivas "Sofía B. de Spangenberg", participou no Simpósio “Conecta Leitores” do Programa Leitorado Guimarães Rosa, na cidade de Maputo em Moçambique, no início do mês de Agosto. Além de apresentar os objetivos do programa, a Leitora escreveu um texto em primeira pessoa sobre a experiência da sua viagem, com fotografias que ilustram paisagens naturais e edificações emblemáticas e acompanham harmoniosamente as páginas que poderiam muito bem ser excertos de um diário de viagem.

 
O eu de lá

Leitora Lenguitas Camila de Souza Santos*


No mês de agosto, entre os dias 04 e 08, tive a oportunidade de estar em Moçambique para participar de um evento do Programa Leitorado Guimarães Rosa (LGR), o Conecta Leitores.


O Conecta é um simpósio em que os Leitores se reúnem para compartilhar suas experiências de atuação no ensino, na pesquisa e na extensão nas instituições de ensino superior onde está implementado o Programa Leitorado Guimarães Rosa. Esse simpósio foi idealizado em 2021 pelos Leitorados presentes na Universidad de Buenos Aires, na Universidad Metropolitana de Asunción y Universidade de Cabo Verde, contando com apoio institucional da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA). O contexto da pandemia até então, levou o evento a ser realizado no formato remoto. Em 2022, o Conecta Leitores aconteceu em Barcelona e foi realizado na Universitat de Barcelona e não houve uma universidade brasileira envolvida nessa edição. O terceiro Conecta Leitores celebrou os 70 anos do Programa Leitorado Guimarães Rosa e aconteceu nas dependências da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) e contou com apoio da Universidade Clermont Auvergne e da Universidade de Brasília (UNB). O quarto Conecta Leitores, cuja experiência é o foco deste texto, foi realizado na Universidade Mondlane, na cidade de Maputo Moçambique e contou com apoio da Universidade Estadual do Amazonas. 


A experiência de ir à Moçambique me trouxe boas recordações da minha terra de origem no Brasil e me mostrou o comum e o peculiar dessas terras e culturas irmãs. A começar pelo solo vermelho que me fez lembrar as chapadas do cerrado mineiro, onde menina, eu costumava passar a cavalo. Contudo, as terras vermelhas de lá têm um toque especial de campos abertos e savanas comuns ao sul de Moçambique, acácias dão a Maputo a beleza que os ipês conferem a Belo Horizonte e os pombos que tumultuam o espaço urbano em BH são as gangues de corvos que grasnam pela cidade lá.




O Oceano Índico traz à terra os ventos frescos de agosto que nos fazem ter às mãos uma blusa ligeiramente leve e de longas mangas para apartar a sensação de arrepio provocada pela brisa.





O feijão, o milho e a mandioca, que vieram junto aos interesses coloniais de dominar vidas, territórios e línguas de lá e de cá, compuseram as delícias da mesa onde também havia xima, matapa, carril, camarão, peixe fresco e um bom arroz. Comidas de uma das rotas marítimas que, tingida de sangue, roubou sorrisos, cabelos, peles e línguas que temperam o Brasil de africanidade.


Estar em Maputo foi ver na rua talentos nos contornos de telas cuidadosamente pintadas por artistas da cidade, ver páginas de histórias narradas em um português salpicado de sons e termos bantu que nos contam os desafios persistentes no cotidiano de um povo simpático e abertos aos brasileiros. 


Experienciar Maputo foi contemplar mulheres sempre lindas vestidas como qualquer pessoa das terras de cá, mas também envolvidas em estampas diversas, com cores vívidas das terras de lá. Mulheres que estão na arte, denunciando em versos de slam o patriarcalismo que as sufoca. Mulheres que estão na universidade, tornando cada vez mais vivas as narrativas orais, as histórias contadas à beira da fogueira de tradição de seu povo. São tradutoras de cosmogonias africanas que, generosamente as compartilham conosco, subvertendo a lógica colonial, traduzindo ao português suas identidades bantu.


Passar esses dias na capital de Moçambique, fez com que eu pudesse ver um pouquinho do “eu” das terras de lá, no calor, na amabilidade e nos “musseques”. Agora mais do que nunca, antes de pensar a “África como um país pobre e selvagem”, como bem vejo, não raras vezes, em documentários das plataformas de streaming, eu sempre vou olhar há um pouco do “eu” ali, porque as terras de cá também tem suas belezas e malezas como as terras de lá, e tanto lá quanto cá, a política se traduz na luta de diária de se descolonizar, de construir outros caminhos para ser, estar e saber nessa vastidão que chamamos “mundo”.



 

*Camila de Souza Santos É doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Atua como coordenadora adjunta no Cursinho Pró-Imigrantes, projeto de extensão vinculado à Faculdade de Letras (FALE/UFMG) voltado à preparação de migrantes de crise ao ensino superior brasileiro. Nesse projeto também desenvolve sua pesquisa de doutorado, investigando as contribuições do Pró-Imigrantes na conformação das identidades docentes em contexto de acolhimento a imigrantes de crise. É Leitora pelo Programa Leitorado Guimarães Rosa do Ministério de Relações Exteriores do Brasil (MRE), colaborando com a difusão da língua portuguesa e das Culturas brasileiras na Escuela Normal Superior en Lenguas Vivas Sofía Esther Broquen de Spangenberg (Lengüitas), em Buenos Aires/Argentina. Tem experiência na ministração de aulas de português como língua adicional no curso preparatório para o Programa Estudantes-Convênio de Graduação (PEC-G/PLE), em disciplinas de Português como Língua Adicional para estudantes de graduação internacionais na UFMG e no Programa Mais Médicos para o Brasil. Colaborou com a aplicadora do Exame Celpe-Bras na FALE/UFMG.



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