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  • Alejandra Fazzito & Maria Fernanda de Sousa

De papo com a literatura africana: entrevista ao autor angolano José Eduardo Agualusa


No contexto da oitava edição do Filba Internacional (Festival Internacional de Literatura de Buenos Aires) realizado entre 28 de setembro e 2 de outubro de 2016, foram convidados vários autores internacionais. Uma das figuras de destaque foi o angolano, José Eduardo Agualusa, que participou em diversas atividades como “painéis”, entrevistas, diálogos, leituras e performances.


Nos jardins de “La Abadía-Centro de Arte y Estudios Latinoamericanos” o escritor, em entrevista para nossa Revista Lusofia, teve um diálogo muito animado sobre sua literatura, mas também sobre a situação atual de Angola e sobre a literatura em língua portuguesa.

 

De papo com a literatura africana: entrevista ao autor angolano José Eduardo Agualusa

Entrevista realizada pelas docentes do curso de formação de professores de português da ENS Lenguas Vivas "Sofía B. de Spangenberg", Alejandra Fazzito e María Fernanda de Sousa Tomé.


Como é a literatura angolana hoje?

Eu acho como mais interessante a diversidade, ou seja, há propostas literárias muito diferentes. Isso é o mais interessante. Agora, eu também penso que deveria haver mais investimento na educação, na cultura para facilitar o aparecimento de escritores mais jovens. Eu acho que há uma falta de escritores mais jovens.


Claro, tem essa geração de Pepetela...

Eu acho que a geração mais jovem é Onjdaki... que já não é tão jovem.



Temos algumas perguntas de alunos, por exemplo, quais são os pontos de encontro da sua literatura com o Mia Couto? Ou divergências, se tiverem...

Bem, as divergências são muitas, mas eu acho que há pontos de contato. O Mia é moçambicano. É um país muito diferente de Angola, então a tradição rural em Moçambique tem uma força maior do que em Angola e o Mia trabalha muito essa tradição, que eu não trabalho tanto. Essa é uma diferença. Mas há pontos de contato, eu acho que há ponto de contato que têm a ver com questões de identidade, os dois trabalhamos muito questões de identidade e inclusive nestes últimos livros. Eu escrevi um livro sobre a rainha Nzinga, que foi uma rainha africana e o Mia está escrevendo uma trilogia sobre o último Imperador de Gaza. Então, dos dois lados podemos dizer que há vontade de olhar a história, ver a história desde uma perspectiva africana.



Que aspectos das suas obras considera que podem representar uma contribuição à reflexão intercultural no ensino de PLE?

Talvez para quem esteja a estudar Português, o mais importante seja perceber que a língua portuguesa se enraizou em geografias muito diversas e que recolheu alguma coisa de todos esses países. Ou seja, a língua portuguesa em Angola é diferente da língua portuguesa em Moçambique e eu acho que tem muitas variantes... e daquela que se fala em Portugal. Talvez, o mais interessante para quem esteja a estudar português seja perceber através dos meus livros, e os do Mia Couto, perceber que a língua portuguesa é diferente e não tem só uma variante.



E qual é a sua opinião sobre o acordo ortográfico?

Bem, eu acho que nunca entendi por que havia tanto dilema em volta do acordo ortográfico. Acho que havendo uma língua faz sentido que exista uma única ortografia, uma ortografia comum, como acontece, aliás, com o espanhol. Sempre discuti com pessoas que são contra o acordo e nunca nenhuma conseguiu explicar qual é a vantagem de ter várias ortografias. Eu acho que da parte de Portugal houve uma reação um pouco imperial, quando é um absurdo porque a língua portuguesa é uma criação conjunta de toda a gente que fala, inclusive desde a sua origem a língua portuguesa teve uma forte contribuição africana, não é? Se você tirar a contribuição árabe, por exemplo, não existe a língua portuguesa. Além da contribuição das línguas africanas de Angola, das línguas indígenas do Brasil... Português é um conjunto, é uma criação de toda a gente que fala a língua portuguesa. Eu acho que os portugueses só deveriam ficar contentes com isso. Se você pensar quando os portugueses dizem e gostam muito de lembrar que a língua portuguesa é a sexta mais falada no mundo, mas é a sexta mais falada por causa do Brasil. Vamos supor que não havia acordo ortográfico, vamos supor que no limite os brasileiros chegavam a um ponto e diziam: "nós não falamos português, falamos brasileiro" de um dia para o outro o português deixava de ser a sexta língua mais falada no mundo e passava a ser o brasileiro. Então, é um absurdo não percebem (os portugueses) que é uma coisa tão evidente, quer dizer que há interesse de Portugal em ter um acordo ortográfico.



E com relação a sua escrita, como é o processo de criação? Tem alguma forma de escrever? Eu lembro que o Saramago iniciava com o título do romance, ele tinha primeiro o título e depois ele começava a escrever.

Não, não tem que ser um título porque há livros que nunca sei o título é que só no fim que encontro o título. Eu parto de uma ideia, mas tem que ser uma ideia na qual você acredita muito, na qual você esteja apaixonado e fica um tempo trabalhando na tua cabeça. Eu não sei o final, eu escrevo para saber o fim.



E com relação a Borges, que você incluiu na reencarnação da osga, por que é que fez essa homenagem a Borges?

Porque Borges foi muito importante na minha formação e eu tinha essa ideia desde o início do que seria um livro sobre a memória e as traições da memória e sobre esta coisa da recriação de identidades que é um tema muito borgeseano. Então pensei de repente: "por que não colocar o Borges como o narrador?" mas não tinha forma de fazer isso a não ser inventando esta história, esta estratégia de ter o Borges reencarnado em alguma outra coisa. E foi uma pequena vingança né? porque eu gosto muito do Borges, da literatura de Borges, mas politicamente é uma figura muito conservadora, racista, então foi uma pequena vingança colocar o Borges como uma osga angolana.



Esse romance teve uma versão cinematográfica brasileira, você gostou?

Eu acho que o problema do filme (e eu conversei com o diretor sobre isso) foi que ele tinha medo. Tem um ator muito bom, o Lázaro (Ramos), mas o problema foi que o diretor teve medo e quando você vai fazer um livro ou um filme não pode ter medo.



Medo de quê?

Ele tinha medo de tudo. Tinha medo de ofender as pessoas, criar inimigos... e também queria fazer uma coisa mais para o grande público, mas depois acaba sendo nem uma coisa nem outra. Quando foi falar comigo ele disse: "eu quero fazer uma adaptação" e eu respondi: "Maravilha! Eu acho que dá perfeitamente. Por exemplo na parte da ditadura, você teve uma ditadura aqui (no Brasil)" e ele disse: "não, não eu não vou falar da ditadura brasileira"... e colocou a Argentina. Não tem nada a ver, não é? E a cena mais forte do livro, que é aquela cena que a menina mata o torturador, ele coloca no filme, contado! É uma coisa absurda! O cinema tem que mostrar imagem!



E teve algum outro romance que passou para cinema?

Há romances que estão fazendo o roteiro, por exemplo, Nação Crioula. São de produção brasileira e há um português que está negociando o contrato para fazer este livro que foi publicado aqui Teoria Geral do Esquecimento, é um português que vive em Angola, quer dizer que ele tem relação com Angola.



E o maior sucesso seu foi Teoria Geral do Esquecimento? Foi aquele que mais se divulgou no mundo?

Não, não, foi de longe O Vendedor de Passados. Ele tem 25 traduções.



E quanto às traduções, você tem alguma relação com o tradutor?

Tenho com alguns tradutores, sim, sim. Tenho com o tradutor inglês, desde o primeiro livro. Ele começou comigo e é um grande tradutor. O Mia (Couto) contava no outro dia que uma tradutora alemã tinha descoberto um erro no seu livro.


É, eles sempre descobrem. Os nossos melhores leitores são os tradutores. Eu sempre digo que a gente só deveria publicar o seu livro depois de ter sido traduzidas a várias línguas porque as segundas edições são sempre melhores porque a gente vai corrigindo através dos tradutores... já não é nem o editor nem o revisor nem os leitores, é o tradutor. Porque o tradutor é o cara que olha e vai encontrar todos os erros porque ele tem que conseguir traduzir. Ainda, agora mesmo recebi uma mensagem, agora mesmo, da tradutora sueca que está traduzindo meu livro que tem um personagem que muda de nome. Espero que aqui tenham visto! Eu já sabia, porque outros tradutores já me tinham dito.



O que você acha que tem que ter um bom tradutor literário?

Eu acho que um bom tradutor literário tem que ser um escritor também. Ele tem que ter a capacidade de invenção porque a tradução é uma reinvenção. Uma boa tradução é uma reinvenção. Trocadilhos, por exemplo, jogos de palavras não funcionam muitas vezes e você (o tradutor) tem que "fazer de novo", tem que inventar alguma coisa.



Você concorda com essa ideia de que o tradutor também se aproprie do texto e faça uma reinvenção?

Claro, o nome do tradutor deveria estar na capa. O tradutor é um co-autor.



E com relação a esses romances que são "fundantes" ou "fundacionais" como Geração da Utopia que para entender a história é magnífico. Qual é a sua opinião sobre romances tão importantes para a história de Angola?

Obviamente eu gosto. Gosto muito de alguns livros de Pepetela. Gosto desse, gosto de um outro que se chama Yake. O romance que eu mais gosto de Pepetela é Yake. Eu acho que é um livro que ajuda a compreender o início da guerra civil.

Com alguns livros você pode compreender diferentes Angolas. Por exemplo, o Ruy Duarte de Carvalho tem um livro, Vou Lá Visitar Pastores, que ajuda a compreender o sul de Angola e as questões rurais. É uma maravilha. Porque Angola é muitas realidades ao mesmo tempo, não é uma só, então esse do Pepetela ajuda a compreender uma certa revirada urbana e o Ruy Duarte, o interior.

Tem uma poetisa angolana também, Ana Paula Tavares, que é maravilhosa.



No outro dia o Mia Couto falou sobre a sua experiência de ser uma pessoa branca em Moçambique, qual é a sua sensação de ser uma pessoa branca em Angola?

Bom, eu não sou branco como essa aí, né? Algumas pessoas que vocês chamam "brancas" em Angola, não serão consideradas brancas nos Estados Unidos, por exemplo, porque a maior parte têm ascendência africana também. Mas, na verdade eu não penso muito nisso quando estou em Angola. É diferente em Moçambique, porque Moçambique tem uma relação mais próxima com a África do Sul e deve ser considerada mais segregada, mais separada. Em Angola tudo é... as pessoas...



É mais parecido com o Brasil?

Não, é mais do que no Brasil. No Brasil você não tem tanta mistura. É curioso porque tem assim "no grosso" mas depois... Eu não conheço nenhum angolano branco que não seja casado com alguém que seja branco. Então isso faz diferença. As pessoas estão tão misturadas que não pensam em si mesmo como sendo brancas.



Tem uma pergunta também que uma aluna fez. Em alguma entrevista você mencionou que Os Maias tinha sido o romance mais importante para você. Por que razão?

Ah não sei, eu acho que por causa do estilo. O Eça (de Queirós) tem uma coisa extraordinária que é a ironia, né? Eu gosto muito disso e acho que foi a ironia o que me encantou.



E quantos anos você tinha quando o leu?

Ahh, eu acho que 14 anos.

Mas eu li o Eça todo. Há outros livros que eu também gosto muito: A Cidade e as Serras é um livro muito divertido... e muito atual. Até hoje eu volto a ler e sempre encontro coisas, é muito divertido o Eça, muito divertido! E é pouco português nesse sentido porque os portugueses têm aquele culto da melancolia e o Eça sai fora disso, não parece um autor português.


Ele é mais brasileiro do que Machado de Assis! Ele teve uma formação brasileira porque ele foi criado por uma senhora brasileira, a ama dele era brasileira. A família da mãe ou do pai eram todos brasileiros e ele foi criado por uma brasileira negra.



E dos atuais escritores portugueses?

Portugal tem autores muito interessantes. O Gonçalo Tavares, que eu gosto muito. Tem um autor que eu gosto muito também que é o Afonso Cruz. O Afonso está publicando na Colômbia, tem vários livros. Ele tem um trânsito bom na Colômbia, tem muitos leitores. O Peixoto também gosto, ele é escuro.

O Cruz tem essa melancolia, mas também tem um certo humor. O Gonçalo tem também. O Gonçalo é bipolar, né? Tem os livros brancos e os livros negros. Os negros são horríveis, você quer matar... os outros não, os outros são divertidos, muito divertidos.



E com relação à literatura que fala sobre a África, por exemplo Lobo Antunes, Lidia Jorge?

Tem agora uns outros mais jovens que também voltaram como o Francisco Viegas. Eu até acho que esses autores mais jovens, tem uma coisa diferente em relação aos anteriores, e é que dão a voz aos africanos. O Lobo Antunes e a Lidia Jorge tratam dos portugueses em Angola, dos portugueses em Moçambique, não dão muita voz aos outros. Já o Francisco (Viegas) tem vários livros, tem um livro passado em Moçambique e aí já dá voz aos moçambicanos, é diferente.



E os escritores brasileiros?

Bom, os brasileiros é a mesma coisa, acho que eles estão com uma boa produção. Você tem autores jovens brasileiros muito diferentes uns dos outros, fazendo coisas muito diferentes.



E quais são aqueles que influenciaram de alguma maneira?

Quando eu era muito jovem, muito menino, comecei a ler o Jorge Amado. Você vai ver uma coisa curiosa com o Jorge Amado: todos os escritores africanos de língua portuguesa e os francófonos dos mais jovens aos mais velhos vão falar de Jorge Amado. O Jorge Amado fez uma coisa extraordinária que tem a ver com a utilização literária do universo africano, do universo mágico africano, da mitologia africana. Você pega a Tenda dos Milagres e aquilo é realismo mágico, antes do Juan Rulfo fazer. Então, é muito interessante, ou seja, ele de alguma forma mostrou como era possível fazer isso.


E agora, o que você está lendo?

O Rubem Fonseca numa primeira fase foi muito bom, mas está superdesigual, tem coisas péssimas! Tem coisas boas e tem coisas horrorosas. O último livro é uma coisa horrível, é tão mau tão mau que você fica desconfiando que ele não escreveu! É do mau gosto, é fuleiro.

 

Biografia [1]

José Eduardo Agualusa nasceu em 1960, na cidade de Huambo, no planalto central de Angola. Alguns meses depois começaria a guerra pela independência contra o governo português, que se estendeu por catorze anos. Em 1975, Angola consegue sua independência, contudo começou uma guerra civil que só finalizou em 2001.

Agualusa é contemporâneo à história da nação angolana e na sua literatura se reflete como tema dominante, como nas outras literaturas de língua/ expressão portuguesa da África, a procura da identidade nacional. Aliás, também a sua escrita compartilha com elas o resgate do mundo da oralidade e da cosmovisão das diversas culturas.

Sua literatura prolífera em romances, também, inclui contos, crônicas, poesia, teatro e textos jornalísticos. É considerado um dos principais expoentes da literatura angola e faz parte da União dos Escritores Angolanos. Recebeu prestigiosos prêmios internacionais e foi traduzido para 25 idiomas.

Atualmente, escreve crônicas para o jornal brasileiro O Globo, a revista LER e o portal Rede Angola. Também, na RDP África, realiza um programa de música e textos africanos.

Na sua apresentação autobiográfica para o FILBA na Argentina explica que se tornou escritor num esforço por tentar compreender a humanidade e o mundo em que vive. E finaliza com a seguinte frase “até agora, não compreendi quase nada”[2].



Principais obras

- A Conjura (romance, 1989)

- A feira dos assombrados (novela, 1992)

- Estação das Chuvas (romance, 1996)

- Nação Crioula: correspondência secreta de Fradique Mendes (romance, 1997)

- Um Estranho em Goa (romance, 2000)

- Estranhões e Bizarrocos (literatura infantil, 2000)

- O Homem que Parecia um Domingo (contos, 2002)

- O Ano em que Zumbi Tomou o Rio (romance, 2001)

- O Vendedor de Passados (romance, 2004)

- Manual Prático de Levitação (contos, 2005)

- Passageiros em Trânsito (contos, 2006)

- As Mulheres do Meu Pai (romance, 2007)

- Barroco Tropical (romance, 2009)

- Milagrário Pessoal (romance, 2010)

- Nweti e o mar: exercícios para sonhar sereias (infantil, 2011)

- Teoria geral do Esquecimento (romance, 2012)

- A educação sentimental dos pássaros (romance, 2012)

- A vida no céu (romance, 2013)

- A Rainha Ginga (romance, 2014)

- O Livro dos Camaleões (contos, 2015)


 

[1] Para mais informação sobre a obra e a vida de José Eduardo Agualusa podem acessar o seguinte link: http://www.agualusa.pt


[2] Traducao nossa

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